Será que já vinha seco e eu não prestara atenção? Falo do rio Mamanguape, que deu nome à cidade do poeta Carlos Dias Fernandes e fortuna usineira aos irmãos Fernandes, remanescentes da aristocracia rural e do comércio atraídos pelas várzeas do rio, exportando açúcar e algodão pelo seu próprio porto, o Salema.
Rio Mamanguape, que supriu de águas constantes a agricultura e, particularmente, o poder político do meu circunspecto e saudoso amigo José Fernandes de Lima, um radical do seu partido que conteve a caneta diante de meu nome (“Esse, não!”) quando, interino no governo, levaram-lhe a lista de demissão dos “queremistas”, partidários de Pedro na rancorosa campanha de 1960. Eu no meio.
“Esse não” se referia a um jovem pardo com quem o deputado e presidente da AL vinha conversar na bancada de imprensa sobre as nossas experiências paraibanas de leitura. Ajudou-me a investigar, completando pesquisa de Eduardo Martins, sobre nascimento e formação do negro José Maria dos Santos, um paraibano notável que emigrou para o sul, fez-se historiador de referência obrigatória, completamente desconhecido dos nossos letrados de então.
Foi agora de quem me lembrei, passados tantos anos, encontrando um envelope com telegrama de parabéns dos meus anos em 1978, ano, para mim, de angustiante incerteza.
Não me lembro, agora, de que obra, de que estrada, de que referência em pedra e cal deixou esse militante cativo da política partidária do seu Estado. Era do PSD fundado na redemocratização de 1946. Vestia branco, só abrindo exceção, nos dias de gala, para um terno azul-escuro de casimira inglesa, obra-prima de Adonias, alfaiate da elite endinheirada de João Pessoa; êmulo de Bento, o Alfaiate, imigrante de Campina.
Quando, em 1967, me escolheram para saudar José Américo numa festa exultante do Santa Rosa pelo ingresso do ministro na Academia Brasileira, o deputado José Fernandes teve a preocupação de me chamar a um canto da sede central do clube para perguntar se eu dispunha da veste adequada para o momento. O cuidado se justificava porque, nem na bancada de imprensa da Assembleia nunca fui visto de paletó. No máximo, uma camisa de mangas compridas, dobrados os punhos. E cheio de atenções, o usineiro apressou-me a tirar as medidas em Adonias, onde deixara o corte de tropical escuro com discretas listras brancas. Guardei esse testemunho de desvelo amigo até quando descobri, avançada, a iniquidade das traças.
Sim, que obra pública marcante terá deixado esse homem ora lembrado? Que Liceu, que grande estrada, que palácio faz lembrar José Fernandes de Lima?
Simplesmente o Homem. E não precisou mais que duas linhas em linguagem telegráfica, num “meio” que não funciona mais, para lembrar inteiro esse militante radical do seu partido e de sua classe. Fazendo oposição ao governo de Burity, arredio ao palácio, surpreendeu pequenos e grandes ao afrontar o ambiente palaciano para cumprimentar-me ao ser escolhido secretário de estado.
Um telegrama velho encontrado a esmo não chega a ser notícia. Mas pode ser crônica, um momento de vida, e até justificá-la.