Telhados disformes, paredes manchadas, uma massa cinzenta sob a chuva contínua e de pingos gélidos de julho, chuva que vai e vem em...

Telas de inverno

Telhados disformes, paredes manchadas, uma massa cinzenta sob a chuva contínua e de pingos gélidos de julho, chuva que vai e vem em uma sequência imprevisível. Ao longo, árvores intraduzíveis, montanhas escondidas. No inverno, também são feitas belas telas, só que o pintor prefere usar uma paleta de cores de tons pastéis, do branco embaçado, do chumbo poético.

As pessoas, em guarda, soam iguais sob a mesma chuva, em pequenos borrões dispersos em movimento. Elas seguem meio conectadas em outros mundos, desconcentradas do próprio mundo. Até as bordas há garantias de proteção, de que se manterão enxutas. Mas, além dali, daquele círculo minúsculo, existem outros cantos que soam como música de liberdade, existe a água que deseja molhar. Há que se perder o medo da chuva, como dizia o poeta profeta.

Halsey
Retomo as telas. O vermelho das telhas molhadas fica mais vívido, mesmo que de forma irregular. As paredes têm pinceladas de gotas que removem tintas e criam novos contornos. Com o tempo úmido, surge um verde irregular abraçado aos tijolos, lodo que escorrega feito o tempo, incontrolável, imponderável, misterioso.

Nos vales, uma cortina despenca das nuvens. Pequenos traços a encobrir parcialmente a paisagem, viagem de milhões de gotas. Nas valas, milhões são largados à míngua, quadro nítido do inverno humano. Nas velas, busca-se coragem para prosseguir a jornada. Tentativas seguidas antes da esperança ser executada diante da teimosia do ser. Frios retratos da vida.

Telas que também separam, dividem, aprisionam as almas, os sons, as essências. Agregam cores monocromaticamente que traduzem a monotonia, pois inspiram ares úmidos, respiram fomes múltiplas, expelem tempestades de fúrias e calmarias.

Monet
É a névoa que encobre a cidade, os telhados e fazem sumir as paredes, luzes e pessoas, compõem garoas, friagens e escondem estrelas que somem das telas.

De fronteiras das molduras, as telas enquadram e encenam no inverno peças mais dramáticas que cômicas. Muitas vezes retraem falas, emudecem campos e serras, para logo após explodir a chuvarada prenunciada pelas furiosas trovejadas.

O mundo despenca em água que escorre pelo quadro contribuindo para redistribuir as cores, as tintas, uni-las, embebedá-las numa ressaca feito uma borrasca em alto-mar, em balanço de ninar das ondas, para formar telas que expressam a valentia e o pavor dos marujos jogados de um lado para o outro das naus, até serem afundados.

Uma tela, muitas interpretações. Uma vida, muitas pinturas, diversas cores, dores, amores. Composições aleatórias da mão do pintor que traduzem imagens captadas por olhos frenéticos. Uma tela, muitas guerras, talvez o encontro de alguma paz.

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