Há noventa e dois anos, nos dias finais do mês de julho de 1930, fazia cinco meses que o sertão da Paraíba vivia em um estado de guerra. No dia primeiro de março daquele ano, haviam sido realizadas as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, deputados federais e uma vaga no Senado. Na véspera do pleito, por determinação do Presidente do Estado, João Pessoa, uma insensata operação da polícia estadual foi realizada na cidade de Teixeira.
A ação, que teria como objetivo declarado garantir a normalidade do pleito no local, na realidade constituiu uma investida contra a família Dantas, que atuava, politicamente, no município e que fazia oposição ao governo estadual. A abusiva ofensiva da polícia chegou ao ponto de prender inocentes mulheres daquela família, que não tinham nenhuma participação na política.
José Pereira Lima (1884—1949) ▪ A União
“Mandei uma força de 200 homens sitiar a polícia que se achava em Teixeira”.
Começava, naquela ocasião, o enfrentamento entre rebelados, sob o comando do chefe político princesense, e as forças do governo estadual, conflito que ficou comumente conhecido como a “Revolta de Princesa”. A partir daí, e durante os cinco meses que se seguiram, cotidianamente, as notícias sobre lutas, combates e demais ocorrências relacionadas com a rebelião estavam presentes, em locais de destaque, nos principais jornais do País. E esse continuado noticiário da conflagração, que se dava nos sertões da Paraíba, só findou quando um fato inesperado e ainda mais extraordinário se sobrepôs aos acontecimentos relacionados com os embates no interior paraibano.
Na tarde do sábado, 26 de julho, o advogado João Dantas, membro da família que dera o motivo que principiou a Revolta de Princesa, assassinava, numa confeitaria, no centro do Recife, o Presidente João Pessoa.
A União, 27 de julho de 1930
A União ▪ Paraíba
“O povo parahybano ficou em desespero ao ter a confirmação da morte do presidente João Pessoa. Grupos formaram-se de repente e commeteram varias depredações na cidade. A residencia do senador pereirense José Gaudencio, na rua Duque de Caxias, cuja família avisada em tempo, pelo telegrapho, refugiou-se na Capitania do Porto, foi invadida pela multidão em desespero. Os moveis foram atirados no leito da rua e incendiados. A policia, apesar do máximo esforço despendido, tornou-se impotente para sofrear o impulso do povo em clamor.”
“O povo parahybano ficou em desespero ao ter a confirmação da morte do presidente João Pessoa. Grupos formaram-se de repente e commeteram varias depredações na cidade. A residencia do senador pereirense José Gaudencio, na rua Duque de Caxias, cuja família avisada em tempo, pelo telegrapho, refugiou-se na Capitania do Porto, foi invadida pela multidão em desespero. Os moveis foram atirados no leito da rua e incendiados. A policia, apesar do máximo esforço despendido, tornou-se impotente para sofrear o impulso do povo em clamor.”
O Globo ▪ Rio de Janeiro
“Parahyba, – 27 (A.B.) Em frente á residencia do senador José Gaudencio, o povo se deteve e, sem a menor hesitação, arrombou as portas, penetrando e devastando tudo o que encontrou. Depois trouxe para a rua os moveis e utensílios do Sr. José Gaudencio e armando tres grandes fogueiras, deitou fogo, só se afastando do local quando tudo ficou reduzido a um montão de cinzas. A casa não foi queimada para não incendiar os predios vizinhos.”
“Parahyba, – 27 (A.B.) Em frente á residencia do senador José Gaudencio, o povo se deteve e, sem a menor hesitação, arrombou as portas, penetrando e devastando tudo o que encontrou. Depois trouxe para a rua os moveis e utensílios do Sr. José Gaudencio e armando tres grandes fogueiras, deitou fogo, só se afastando do local quando tudo ficou reduzido a um montão de cinzas. A casa não foi queimada para não incendiar os predios vizinhos.”
O Globo ▪ edição vespertina do dia 28 de julho de 1930 (o jornal não circulou no dia 27)
José Gaudêncio (1881—1953)
No Rio de Janeiro, na segunda-feira que se seguiu ao assassinato de João Pessoa, dia 28 de julho de 1930, foram realizadas sessões na Câmara Federal e no Senado. Na Câmara, deputados da oposição se alternaram na tribuna, alguns imputando ao Presidente da República a responsabilidade pelo assassinato de João Pessoa. As galerias da Câmara estavam ocupadas por inflamados partidários do governante assassinado. Nenhum deputado da Paraíba compareceu à sessão. Como todos eram de oposição a João Pessoa, muito provavelmente estavam temerosos de represálias por parte de pessoas mais exaltadas e inconformadas com o que aconteceu com o político paraibano. Na tribuna, segundo o jornal Crítica, o deputado mineiro José Bonifácio vociferava, cobrando a presença na casa dos representantes da Paraíba:
Fonte: A. Lopes
A União, 26 de julho de 1930
“A inviolabilidade do lar é uma ficção na Parahyba. Assim é que a casa de residencia e o escriptorio do Dr. João Dantas, notavel advogado, figura de grande relevo politico e social, de tradicional família parahybana, acabam de ser assaltados, embora estejam localizados nas imediações do palácio presidencial. É o que relata o telegrama junto, firmado pelo deputado João Suassuna.”
Por sua conhecida posição de renitente e implacável oposicionista a João Pessoa, considerando-se a comoção que resultou da morte do Presidente paraibano, esperava-se que José Gaudêncio não fosse ao Senado naquela segunda-feira, em que as galerias do Palácio Monroe se agitavam com a presença de partidários do governante desaparecido. Mas, não foi o que ocorreu. José Gaudêncio compareceu normalmente à sessão do Senado, ocupou a tribuna e fez o necrológio de João Pessoa, publicado com destaque nos jornais do Rio de Janeiro, entre eles o periódico Crítica:
Cortejo fúnebre do presidente João Pessoa ▪ Parahyba do Norte, 1930 ▪ Fonte: Anpuh/PB
O jornal Gazeta de Notícias, além de publicar o discurso de José Gaudêncio, expôs, na sua primeira página, um editorial com o título Um Homem, se reportando à posição assumida pelo senador caririzeiro:
Naqueles tempos de paixões e de confrontos, o pronunciamento de José Gaudêncio no Senado, pregando a conciliação, não teve nenhuma repercussão na Paraíba. O jornal oficial A União, resumidamente, assim o noticiou: