Apreender o silêncio é complexo e preciso de um ritual para exercê-lo. Não é somente a ausência da fala, dos sons banais do cotidiano, da música. É mais profundo, está ligado à importância com que compreendo o mundo e entendo o que sinalizam minhas interrogações.
O silêncio acontece em momentos inusitados, quando estou desenhando, lavando pratos, observando o nascer do sol, ou nas madrugadas insones. Há uma força intricada que me induz a deixar livres os pensamentos para aflorarem assim, soltos, aleatórios.
Enquanto trazem solução, tumultuam e me boicotam. Nesse silêncio descubro que preciso comprar areia para as gatas fazerem xixi. Lembro que preciso ir ao banco refazer meu cartão, o que me adverte que estou sem digitais porque fiz um vaso de cimento sem usar luvas. Olho o vaso secando e fico feliz. Quem precisa de digitais?
Há algum tempo, percebi que o barulho do mundo exterior estava intenso, que vivia em um sistema de vida urbano alienante e, sobretudo, esvaziado de propósito. É o acelerar constante de motos, buzinas, sirenes de ambulâncias, carros acelerando forte, e até aqueles sons pequenos e irritantes dos avisos que o celular proporciona. Eu, ligada em algum piloto automático, aceitando todo esse incômodo sem ter meios de os silenciar.
Poucos entendem de silêncio. Parece ser sinônimo de uma absoluta solidão, e não é nada disso, muito ao contrário. É no silêncio que descobrimos o quanto gostamos de nós mesmos, o quanto sentimos prazer em nossa companhia.
A troca de ideias, pensamentos, gostos, parecem ser essenciais até que descobrimos o silêncio, a quietude de estar no controle da vida, dos sentimentos.
Talvez o fato de viver sozinha facilite esse meu encontro com o silêncio. Antes, pensava em um companheiro para conversas intermináveis, hoje, penso em um companheiro que entenda de silêncios e os acolha sem se sentir excluído. Preciso explicar para esta pessoa que em algum momento, anseio por ficar abstraída em meus pensamentos íntimos, onde não há lugar para mais ninguém. Não é egoísmo, é uma completude quase perfeita.
Em minha infância, conheci um mosteiro onde as freiras haviam feito o “Voto de Silêncio”. Era um enigma entender o mundo daquelas freiras, como se comunicavam, como falavam de suas dores. Enfim…total mistério que nem sei se ainda existe, mas as freiras caladas continuaram residindo em minhas interrogações. Meu mundo não comportaria o Voto de Silêncio. Sou faladeira, gesticulo muito, gargalho demais, meu linguajar nem sempre é correto, definitivamente, não seria uma boa habitante do mosteiro.
Silêncio é linguagem dos que são intensos em sentir, em viver, em se deslumbrar com a natureza. Se alguém compactua comigo a beleza de uma árvore florida, ou o pôr do sol no mar, não há necessidade de palavras, apenas perceber.
Mesmo quando estamos profundamente apaixonados e acreditamos que o sentimento tenha que ser declarado, declamado e cantado, existem momentos de silêncio para que o amor se fortaleça, não em palavras e sons, mas na serenidade do compartilhar.
Sei que a meditação induz ao silêncio, a respirar com precisão, ouvir somente as batidas do coração, a abstrair-se do que o rodeia. É uma prática que objetiva a regulação do corpo e mente. Não comparo meu silenciar a isto, nem tenho disciplina para tanto, mas percebo que nestes momentos silenciosos consigo conectar com meu Deus interior e isto traz conforto e paz.
O silêncio se transformou em uma companhia agradável, preciosa, que me transmite serenidade e seguramente é um exercício contumaz, útil para enfrentar os entraves que a vida apresenta.
Agora, acho simples descobrir onde mora a quietude e nem há necessidade de haver ausência de som, é só perceber o que habita em mim.
O silêncio tornou-se a perfeição do meu sentir.