A poesia de Augusto dos Anjos associa à expressão do afeto melancólico representações de acentuada ironia, na qual se resumem os paradoxos e as antíteses que afligem o eu lírico. Uma ironia que o poeta denomina “infausta” permeia sua visão de mundo e parece constituir uma alternativa, quando não um correlato filosófico, para a sua melancolia. A ironia aparece como depreciação do corpo, configurando-se num disfemismo que tende a privilegiar, nas representações da matéria, o mórbido, o desconforme e o fragmentado.
Lacan observa que o gosto pelo mórbido é característico do universo da falta; no contexto de Eu e outras poesias, as imagens que projetam a fragmentação no mundo natural, exterior, não são senão reflexos de um desmoronamento interior, que reflete a tirania do superego. O que primordialmente se desconstitui é a unidade psíquica do eu lírico, cujo estilhaçamento se reflete no corpo (como doença) e no mundo – no corpo do mundo, também este doente.
As imagens fragmentadas do “Eu” compõem o que se poderia chamar de uma “estética da dissonância”. Com essa expressão, pretende-se designar o caráter áspero, “excessivo” e dicotômico da poesia de Augusto dos Anjos, marcada tanto pela representação de um excesso quanto por um excesso de representação. Nessa construção poética, o efeito dissonante resulta, sobretudo, dos recursos nos níveis fônico e léxico-semântico – sinéreses, aliterações, homofonias, por um lado; vocábulos científicos, prosaicos e escatológicos, por outro. Tais recursos, cujo efeito geral é de ruptura e segmentação, manifestam-se por imagens alegóricas. A alegoria se opõe à figuração totalizante e unitária do símbolo; em Augusto dos Anjos, ela visa a representar, como deterioração e ruína, a nostalgia de uma unidade supostamente perdida; a saudade de um bem que se confunde com a inocência humana antes de maculada pela falta.
Daí o impulso, onipresente no eu lírico, para destruir a Natureza e o homem, e assim provocar o aparecimento de outra Humanidade - conforme se lê nos versos finais de “Os Doentes”. As imagens alegóricas fundam-se no sentimento da diferença humana em relação à natureza. Sentida como culpa e exclusão, essa diferença – concebida numa perspectiva cristã – traduz-se como angústia ou melancolia do pecado original. Conforme observa Sérgio Paulo Rouanet, “o saber do alegorista é um saber culpado. Ele quer salvar a criatura, embora saiba que ela é culpada, por causa do pecado original.” O eu lírico anseia por ser Cristo para redimir a espécie, ou antes, a raça “Que violou as leis da Natureza!”.
Uma das diretrizes da estética da dissonância é a construção do Belo através do Feio; é a incorporação de elementos tradicionalmente apoéticos e de mau gosto no tecido poemático. Nesse sentido, ao incluir o escatológico e o trivial em seus poemas, Augusto dos Anjos revela-se um herdeiro de Baudelaire, para quem era importante “representar com exata clareza o inferior, o trivial, o degenerado.” E se aproxima do francês, inclusive, no juízo acerca da função e do prazer estéticos; em um dos seus textos em prosa, Baudelaire escreve: “O maravilhoso privilégio da arte é que o espantoso, expresso com arte, torna-se beleza, e que a dor ritmizada, articulada, preenche o espírito com uma alegria tranquila.”
Augusto dos Anjos expressa opinião semelhante e quase coincidente, ao referir, em “Monólogo de uma Sombra”, que “Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,/ Abranda as rochas rígidas, torna água/ Todo o fogo telúrico profundo...” E sobretudo, um pouco adiante, que “a mais alta expressão da dor estética/ Consiste essencialmente na alegria.”