Esta é uma pergunta medonha, daquelas para as quais ninguém tem uma resposta pronta, salvo os idiotas. É preciso refletir para respondê-la porque a resposta necessariamente tem a ver com a vida que levamos, como somos, o que fizemos e deixamos de fazer. Fundamentalmente, creio, tem mais a ver com os outros que com nós mesmos, a maneira de tratá-los, de considerá-los, se os vemos como meios ou fins de nossas ações, se os valorizamos em sua dignidade intrínseca etc etc. Sim, porque “...ao fim, seremos vistos pelo que amamos ou deixamos de amar”. E “ao entardecer desta vida, te verão no amor”, como bem disse São João da Cruz. Significa dizer que seremos lembrados e julgados pelo que fomos e fizemos de bem, e não por outras gloríolas acidentais, por mais importantes que estas pareçam aos olhos dos tolos.
Benjamin Ranger
Outro pedirá: “Quero ser lembrado como um grande empreendedor”. Sim. Os empreendedores são necessários. Eles criam riquezas. Para si e para a sociedade. São agentes do progresso e do desenvolvimento; estimulam a ciência e a tecnologia, tornando a vida das pessoas mais fáceis e prazerosas. Criam empregos; distribuem renda através dos salários pagos aos seus funcionários; quando competem lealmente entre si, barateiam preços, sem prejuízo da qualidade e beneficiando os mais pobres. Mas como será lembrado o grande empreendedor que só perseguiu o lucro acima de tudo, que não cultivou nenhuma preocupação social nos seus negócios, que nunca fez nenhuma doação filantrópica sem descontar no imposto de renda, que nunca soube o que é solidariedade de qualquer espécie? O grande empreendedor que só pensou em si e nos seus, egoísta e mesquinho até o derradeiro centavo?
Tom Pumford
Deleece Cook
E por aí vai. Normalmente, os homens não querem ser esquecidos. O epitáfio e a posteridade são as últimas vaidades. É compreensível. Mas talvez o melhor seja mesmo não ser lembrado, salvo pelos poucos que por acaso nos amaram em vida e apenas enquanto estes viverem. Depois disso, pode vir o esquecimento completo, aquele de que falou Manuel Bandeira no poema A morte absoluta:
“Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores.
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos de saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura alma errante ...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento.
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: Quem foi? ...
Morrer mais completamente ainda,
- sem deixar sequer esse nome.”
Quem quiser ser bem lembrado depois da partida, faça por onde. Não esqueça: no fim de tudo e após tudo, seremos julgados – e lembrados – unicamente pelo amor – e nada mais.