Muitos anos atrás, lendo um desses livrinhos vendidos em bancas de jornal, cujos título e autor me escaparam da memória, dei de cara com uma previsão absolutamente estapafúrdia, totalmente improvável. Estávamos no auge da Guerra Fria e a hecatombe universal viria com um ataque de armas nucleares dos EUA contra a União Soviética – e vice-versa. Era certeza absoluta naquele momento. Nada nos faria mudar de ideia. Morreríamos todos quando fosse acionado o terrível botão instalado em certo birô do Kremlin ou da Casa Branca, depois que o famoso telefone vermelho tocasse freneticamente, como um despertador antigo.
Pois bem, me recordo de que o livrinho descambava para a ficção científica, tendo como pano de fundo o confronto global entre o “evangelismo cristão do Ocidente” e o “fanatismo islâmico da outra banda da Terra”. Ah, retirando a poeira do tempo, o título era algo parecido com “As novas Cruzadas” ou coisa assim.
Derrubaram o Muro de Berlim, Pinochet foi pro beleléu, as corporações multinacionais se instalaram em Hanói, Fidel está com o pé na cova, e aquele livreco de papel-jornal acabou ganhando uma dimensão que o seu autor jamais poderia imaginar. E olha que o cara, pelo visto, garantia o leite das crianças apenas exercitando sua inesgotável imaginação.
O que é que nós estamos vendo hoje? A guerra entre o evangelismo cristão liderado pelos EUA, intensificada na Era Bush, e a TFP do Islã, representada pelo Irã e seus filhotes do Oriente Médio, talibãs "et caterva". É certo que o confronto tem lá as suas motivações econômicas, energéticas, não é?
Daria meu reino em Tambiá por uma indicação de como poderia voltar a ter nas mãos esse livreco, provavelmente encomendado a alguém desempregado ou aposentado, aquela literaturazinha dita de segunda classe que fazia a festa da turma fora de esquadro, sempre ávida por esquisitices e outras milongas de manicômio.
Agora, depois de tudo o que aconteceu e continua acontecendo, me surge uma interrogação: Terá sido um desses monstros sagrados da literatura universal que, com medo de que algum crítico famoso lhe sugerisse uma camisa de força, usou um pseudônimo qualquer, se travestiu de ghost-writer, espécie de genérico dele mesmo (tem doido pra tudo), para lançar num mercado bem distante das bienais e das livrarias essa, ao mesmo tempo, minúscula e monumental obra de gênio?
Bom, depois do que andam fazendo os religiosos de todos os credos e seus respectivos rebanhos, que mais parecem búfalos enfurecidos soltos na buraqueira, não será surpresa se um dia desses acordarmos todos sob o regime de uma teocracia feroz, mesmo no Brasil da democracia corinthiana.
Afinal, as tais bancadas evangélicas, que crescem como grama no cenário político, não caíram das nuvens. É melhor esperar sempre o pior com esse povo legislando, digamos, biblicamente...
Aí, meu amigo, com teocracia no pedaço quem vai fazer ficção científica sou eu, ao que tudo indica encarcerado nas masmorras de Jesus ou de Alá. Se me permitirem alguns lápis de ponta feita e poucas folhas de papel.
Crônica escrita em 20 de março de 2003, durante a invasão do Iraque por uma coalizão militar multinacional liderada pelos Estados Unidos.