A notícia chegou em texto com pouquíssimas palavras na tela do iphone. A família pedia orações, o remédio ainda possível para sua cura. E eu fiquei em choque. Sequer sabia da sua hospitalização a 4 mil quilômetros das nossas origens. Poucas horas depois, contaram-me que ela se fora.
Gosto de imaginar que todos partimos desse mundo com abraços e risos. Não aqui, onde ficam a dor e o choro, mas do outro lado da vida, onde pai, mãe, os parentes diversos e os amigos que fizemos, todos já idos, nos recebam em festa. Gosto de pensar numa viagem sem volta com endereço definitivo para onde um dia iremos na busca desses reencontros e onde aguardaremos os aqui deixados.
A vida em sua essência, de fato, seria lá, porquanto permanente, eterna. Mas que não tenha a monotonia das túnicas e harpas. Com o perdão dos que acham que peço muito, gostarei de ali vestir o que hoje visto, comer o que como e beber o que, eventualmente, bebo. De ter, enfim, uma vida normal, a não ser por um e outro exagero. Flutuar é imprescindível. A gente pularia e alçaria voo pelo tempo que desejasse. E teria pequenos aborrecimentos, arengas bobas, insignificantes, passageiras, como uma vez tivemos eu e ela.
Curiosamente, moramos algum tempo na mesma cidade sem a aproximação que, depois disso, manteríamos de bom grado. Assim ocorreu quando nos distanciamos, quando eu fazia viagens semanais à terra natal, onde a reencontrei, para o ensino a cinco turmas de ginasianos do colégio integrado à Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, a CNEC criada pelo paraibano Felipe Tiago Gomes. Não fosse pela remuneração quase simbólica, pois destinada com pouca sobra ao custeio das locomoções, seria um voluntariado do qual também participavam o juiz, o promotor de justiça, o coletor e uns dez professores improvisados e oriundos, como eu, da Capital. Minhas viagens davam-se às quartas-feiras para retorno na mesma noite e, aos sábados, quando parentes e amigos me hospedavam até o amanhecer de cada segunda-feira, momento em que já me esperavam as pautas e o Caderno de Cultura do jornal.
De 1970 a 1975, passamos à condição de par constante em meio à nossa turma e em quase todo lugar onde houvesse mesa, música e dança. O “quase” fica por conta de alguns namoros que tivemos com outras pessoas, três meus e três delas. Casou-se com o terceiro.
Fomos, mais do que qualquer outra coisa, grandes e bons amigos, sem reservas nem segredos. Em cada um de nós havia a convicção de que não deveríamos avançar muito além disso a fim de não pormos em risco aquilo que já nos bastava.
Há pouco tempo, fui surpreendido com seu pedido de adição às minhas listas de amigos virtuais, essas do Instagram e Facebook. Foi quando voltei a saber dela e foi, também, quando vimos em vídeos e fotos os filhos e netos que nos deram o destino e os parceiros que escolhemos. Que belos meninos e meninas ela pôs no mundo. Sua união – eu soube com pesar – não durou tanto quanto dura a minha. A moça com quem me casei saiu do Rio Grande do Norte disposta, como eu, a passos conjuntos por toda a vida. E assim tem sido.
Sempre serei grato a um dos seus irmãos, àquele que me remeteu, via WhatsApp, o momento tocante da despedida. Na foto, três moças e um rapaz saídos do seu ventre, creio eu, estão à beira do leito hospitalar. É flagrante no qual, cuidadosamente, ela não aparece, pois encoberta por este pequeno grupo que se abraça e conforta. Obrigado, querido. Isso me revela a dimensão do bem-querer e a retribuição do apreço que sempre tive por ela e por todos vocês.
Vi e deletei a foto, por tratar-se de momento tão íntimo e indivisível. No nosso próximo encontro, haverá a alegria entre nós e a lembrança apenas de momentos felizes. Ela não combinava com lágrimas nem tristeza, embora agora nos surja de modo muito forte o sentimento das grandes ausências. Até lá.