Era preciso que tratasse das coisas leves, como as feitas de panos diversos e as de carregar bocadinhos.
Assim como o menino que nadou para depois de uma onda grande e não voltou, ela também achou que você se diluíra como um cubo de açúcar incapaz de adocicar o mar.
Assim como o menino que nadou para depois de uma onda grande e não voltou, ela também achou que você se diluíra como um cubo de açúcar incapaz de adocicar o mar.
Nadou ao fim do mar, à boca dos tubarões, dentro do vazio das baleias, sob as barrigas cegas dos barcos, no pensamento dos peixes e nas suas costas, entre as areias, atrás das pedras e debaixo. Buscou na cintilação quando a luz entrava água adentro fazendo de tudo um cristal gigante, podia ser que o seu amor fosse agora uma estrela e só soubesse brilhar... Nunca secava o corpo porque a água era agora o seu amor. Molhava-se, estendia as mãos em redor como radares aflitos por um abraço e imaginava que a criança ele lhe fazia as ondas. Talvez as ondas fosse um modo de falar.
E ela ondulava. Sentia as marés como a respiração do mundo a caminho. Sentia que o tempo todo era deslocação e viagem.
Ela também achava que o seu corpo a secar era uma partida contínua do amado. Quando sentia a roupa e a pele seca, dizia: partiu. Seu amor evaporava talvez para observar as coisas desde as nuvens. E ela ficava sozinha. Fechava-se em casa a recordar.
Pensava que o corpo do mar era o corpo do seu amor, sem distinção. O amargo do sal nunca a enganaria perante a falta dos beijos, a nostalgia dos beijos e a delicadeza do seu amor. Ela nadava dentro do seu amor. Era por causa disso que se estendia e só então acalmava.
Uma vez, encheu de água um enorme jarro que levou para casa sem entornar. Resplandecia na luz da tarde igual a uma lâmpada líquida ou a uma estrela guardada. Cuidadosamente, abraçou o jarro e longamente o acarinhou. Era então um lugar do seu amor. Depois, afundou uma pétala de rosas vermelhas para que a água pudesse sentir seu perfume. Ela disse: sente! A água aquietou-se. Talvez ele apenas brilhasse para sentir.
A cada dia, assim repetiu até que a casa inteira fosse o mar. Um mar em vidros puros, transparentes, através dos quais ela o vigiava e expunha ao sol. Afundava fotos, recortes, pequenos segredos , lembranças, ecos....Flutuava neles amor. E ela perscrutava o bulício das águas ou a maior cintilação para saber se o seu amor estava a comunicar.
Circulava igualmente aquática, bailarina cautelosa, por entre os vidros sagrados, e eles evaporava lentamente como se, lentamente, sem que o percebesse ou confessasse, ela se vingasse ao matar o mar. Haveria de o ver evaporar jarro a jarro, o tamanho de um homem pequeno, até ao infinito. Amaria e culparia o mar até o infinito.
Agora, 9 anos sem Juca. Quando fez três, eu re-escrevi esse conto belo, 'O Menino de Água' (do livro Contos de cães e maus lobos, de Valter Hugo Mãe, para reverenciar esse Mar Adentro, que guarda tão preciosos tesouros meus.