Padre Nuestro é um documentário colombiano de ficção produzido em 2015 e dirigido por Daniela Abad Lombana. A sinopse do filme foi publicada em espanhol no site da plataforma Retina Latina e traz as seguintes informações:
Ano de 1950. Ignacio tem onze anos e celebra o dia de sua primeira comunhão que, segundo a Igreja Católica, aproxima o menino de Deus e permitirá a Ignacio ser agraciado de modo que possa chegar ao céu. No entanto, há muito tempo, a tutora e irmã Josefa e o padre da igreja fazem comentários a respeito do falecido pai do menino, um comunista que, segundo eles, deve estar ardendo no fogo do inferno.
Na primeira cena do curta-metragem, o menino diz à irmã Josefa que, para chegar ao céu, há que se voar até o Sol. Ela despreza o comentário do menino e afirma: El camino al cielo es la primera comunión, es el cuerpo de Cristo.
Irmã Josefa considerava que o pai do menino não era um homem de Deus por não ter se guiado pela moral divina. Isso era motivo para alguém nunca chegar ao céu. O menino ficou visivelmente triste pelo comentário feito a respeito do pai dele.
Na igreja, Ignacio ouve uma conversa da irmã Josefa com o padre. Ambos falavam mal do pai dele. Sem esconder a decepção, olha para a imagem de Cristo crucificado. Parece não compreender como a Igreja poderia condenar alguém ao fogo eterno se Jesus nunca o faria.
O padre disse a Ignacio que o pai do menino não era um homem de bem. Calou-se e foi obrigado a rezar o Pai Nosso no momento da primeira comunhão, mas olhava a imagem de Cristo crucificado novamente e acredito que pensava: "como pode estar no céu se a imagem expressa tanto sofrimento?"
O olhar de Ignacio para o padre era de indignação, do início ao fim do curta-metragem. Ao receber a hóstia, espera um pouco e cospe no padre. A hóstia fica grudada na batina. O ato expressa a revolta do menino, que afirma: “eu não quero ir para o céu. Quero ir para o inferno com meu pai”. A irmã Josefa e o padre ficam sem reação. O menino sai correndo e abre uma porta. Uma luz intensa aparece.
O curta-metragem leva a reflexões interessantes, tais como: a religiosidade na percepção das crianças; as concepções de céu e inferno; a visão católica do que vem a ser um homem de bem; religiosidade e política; a ética dentro dos muros da religiosidade formal. O sentido da própria existência humana pode ser discutido e me parece ser o que mais inquieta a criança no filme.
O conceito de religião não me parece simples de explicar. Religar, reler, revisitar e, às vezes, nos perdemos por não haver uma forma única de entender tal conceito. Imaginemos uma criança diante desta importante questão de nosso tempo.
Concedida pela Igreja, a autoridade do padre e da irmã Josefa lembra-nos de que ser católico nos anos 1950 parece não ser a mesma coisa que ser católico hoje. Garantir um lugar no céu apenas por fazer a primeira comunhão nos parece questionável hoje.
Para ser um pouco mais radical, até mesmo uma criança na idade de Ignacio seria capaz de discutir esse tema, sendo ou não pertencente a qualquer religião.
Pergunto-me por que uma criança teria a preocupação em garantir um lugar no Paraíso, consideradas as prioridades do mundo infantil e que me parecem estar longe da ideia de religiosidade. Parece haver outras coisas essenciais na infância.
O filme colombiano nos permite analisar a questão da religiosidade do ponto de vista dos povos latinos. Sabe-se que a visão europeia de religiosidade talvez tenha outra vertente e pode se diferenciar em um ou outro aspecto em relação à ideia de religiosidade que têm os latinos. Nesse sentido, a autoridade não dissimulada me parece algo interessante no curta-metragem. O modo como o padre e a irmã Josefa olhavam para o menino e se colocavam diante dele torna isso evidente.
Em nome da autoridade concedida pela religião católica, julgavam o pai do menino e tentavam distorcer a imagem dele para a criança. O menino nunca concordou com a postura de ambos e manteve-se fiel ao amor pelo pai. Após ouvir uma conversa dos dois, onde julgavam o pai do menino, Ignacio se decepciona e desiste de ir para o céu.
Na cena polêmica em que cospe a hóstia no padre, ele parece renunciar ao corpo de Cristo e diz querer ficar junto ao pai dele. Esta cena marca o final do curta-metragem.
O filme estará disponível no site da Retina Latina até 19 de junho de 2023 e é uma adaptação do primeiro capítulo do livro “El olvido que seremos”, escrito por Héctor Abad Faciolince, escritor colombiano.
Em 2020, foi lançado o longa-metragem “El olvido que seremos”, baseado no livro de mesmo título.