O professor Cláudio José Lopes Rodrigues nos traz, em seu livro “Diário não diário", um registro do dia-a-dia que pode ser, com os devidos ajustes, as imagens de uma vida bem vivida por qualquer um de nós, inseridos neste “mundo, mundo, vasto mundo [...]” do poeta Carlos Drummond de Andrade (Poema de sete faces, in Alguma poesia).
Começa seu depoimento, não depoimento, com o registro da angústia que decerto aflige autores/escritores desde seus primeiros passos na construção de uma obra literária, com seus “momentos fastidiosos, angustiantes e até constrangedores”, com a emersão de “algumas intrigantes questões”, como o despertar da emotividade do leitor, com aquela obra.
Angústias mís, sobressai-se a necessidade de encontrar um avalista/apresentador que assuma a responsabilidade de dizer aos supostos leitores "li e gostei".
Essa angústia, tem feição universalista — como ensina o escritor norteamericano John O’Hara (in The New York Times Book Review – 27.11.1955), citado por Marshall MacLuhan em seu livro “Os meios de comunicação como extensões do homem” (Cultrix, 1969) —, ao afirmar que “Com o livro, a gente tem uma grande satisfação. Sabe-se que o leitor está preso dentro daquelas capas. Mas, como escritor, tem-se de imaginar a satisfação que ele está tendo”.
Eis o que nos ocorre.
Recolhidos à masmorra das capas do “Diário” de Cláudio, vamos adquirindo, a cada página ou a cada dia vivido nessa cela solitária, uma empatia solidária que nos leva a um único pensar, que podemos traduzir em como informar ao autor e a seu avalista/apresentador que também lemos e gostamos desse escrito.
Como diz ainda Marshall MacLuhan, em sua obra já mencionada, “O livro impresso encorajou os artistas a reduzir, tanto quanto possível, todas as formas de expressão ao simples plano narrativo e descritivo da palavra impressa”. É isto o que nos dá Cláudio.
Suas estórias, registradas com singeleza e inegável perspicácia, nos deixam, no mundo real em que vivemos, com nossas mais diversas sensações, notadamente as de amor – nosso ou de alguém momentaneamente contatado, como aquele casal de namorados que reata, por arte/interveniência televisiva, os laços de afeto vividos há mais de 60 anos, agora refeitos perante um vibrante auditório levando o escritor a perguntar: “Será que aquela atmosfera onírica trombeteada com muito alarde no programa do estrepitoso Faustão continuará vida a fora? Por quanto tempo as dentaduras dos venerandos enamorados dormirão em copos próximos sobre o mesmo móvel?”.
São os fatos corriqueiros de uma vida que nos levam a situações ou reações às vezes bastante inusitadas, como explosões de ciúme matrimonial inimagináveis, que passada a etapa de intensa explosividade nos leva, como levou o autor, a confessar contrito, “enveredar pelas sendas melodramáticas, como as daqueles velhos dramalhões mexicanos, em preto e branco, distribuídos pela PELMEX (no elenco, a glamorosa Maria Félix [...] e vários maridos, entre os quais Agustín Lara)".
Outras explosões se sucederam, não mais com o viés de um zelo, às vezes excessivo, mas como fruto de relações profundamente sentimentais, explosões estas eivadas muitas vezes da sabedoria superior daquele ente que geramos e agora, revestido de um saber superior como a capacitação operacional suficiente para lidar com a geringonça eletrônica – o computador ou PC, versão mais atual da máquina de fazer doidos a que se referia o escritor Stanislaw Ponte Preta ao falar da televisão em sua forma primeva — reage a essa blasfêmia com incomensurável desprezo, dizendo “ah, painho, não vou ficar ouvindo estas suas coisas...” .
Foram angústias outras...
Vale assinalar a intensa luta para derrubar barreiras e vencer resistências como a empreendida contra uma das muitas versões tupiniquins do Muro de Berlim, erigida na portentosa USP, onde o autor e sua companheira de sempre experimentaram a sensação registrada pelo irreverente escritor Nelson Rodrigues ao dizer que “a companhia de um paulista é a pior forma de solidão.” (Nelson Rodrigues, in A menina sem estrela, São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p, 250).
A muralha não foi derrubada, mas sofreu abalos que permitiram a abertura de buracos por onde fluiu a invasão solitária desses nordestinos que em sua luta por melhorias de sua qualificação intelectual, quase se viram obrigados a virar “cantores de baião ou de xote, dançar xaxado, tocar zabumba, triângulo ou sanfona em feiras livres, forrós ou rádios da periferia". Por que não me dedicar a ler cordel, fazer repente, vender meizinha, comer vidro ralado?... Digo, eu: será que gillete não seria mais palatável?
Mas tudo isto foi vencido!
A garra nordestina se manifestou e se fez merecedora desse registro, manifestação efetiva daquela constatação de MacLuhan (obra já mencionada), quando diz que “o advento dos meios elétricos libertou, de vez, a arte de sua camisa de força, criando o mundo de Paul Klee, Picasso, Braque, Einsenstein, dos irmãos Marx e de James Joyce".
Li e gostei!!!