Tem toda razão o meu querido Martinho Moreira Franco, quando despreza detalhes verdadeiramente insignificantes para enxergar no velho Liceu apenas “as cores da história”.
Não pode ser outro o espírito dos paraibanos, recebendo como presente de fim de ano a bela e simbólica estrutura arquitetônica, completamente restaurada e, ao mesmo tempo, internamente adaptada às exigências da sociedade contemporânea.
Não pode ser outro o espírito dos paraibanos, recebendo como presente de fim de ano a bela e simbólica estrutura arquitetônica, completamente restaurada e, ao mesmo tempo, internamente adaptada às exigências da sociedade contemporânea.
Ainda não visitei o meu colégio em sua nova apresentação. No entanto, lidos os jornais do dia em que ele foi reaberto, deixei-me conduzir pela memória no longo percurso que teve início na Pedro II, palmilhou ruas e calçadas até o tapete dourado dos paus-d’arco. Uma tentativa talvez de trazer comigo, redivivas, outras presenças, vozes, risos, emoções, a alma do colégio que apaziguou o meu espírito adolescente, jamais rendido às camisas-de-força dos internatos religiosos.
Escolher o Liceu, na conclusão do Ginásio, representou para mim uma afirmação de personalidade. Um ousado enfrentamento com os valores familiares, ainda resistentes à orientação laica do ensino, onde se incluíam as classes mistas.
Mas que admirável mundo novo foi o Liceu que eu descobri no ano de 1957. Em vez da proibição e da imposição, o poder de decidir. A liberdade de escolher e a consciência de ser responsável pelo resultado da escolha. A possibilidade de estabelecer os próprios limites.
Aquelas portas abertas, que garantiam o direito de ir e vir, transformavam a frequência às aulas numa adesão à necessidade de saber e ao compromisso de ser alguém na vida. Sem a disciplina do medo, crescia a figura do professor competente e dedicado, modelo e líder a ser seguido, não pelo temor, mas pela admiração.
Eram muitos os mestres e certamente alguns estarão guardados de forma especial na memória dos milhares de alunos a quem o ensino público de qualidade possibilitou e garantiu um novo Destino.
O meu Liceu se corporifica na figura emblemática e exponencial do professor Gibson Maul de Andrade, em cujas aulas de Português e Latim do curso Clássico, o magistério atingia a perfeição. Impossível esquecer a análise e interpretação de Os Lusíadas, da Eneida e das Catilinárias que desenvolvíamos durante os três anos curso, contagiados, mobilizados pelo entusiasmo e pelo devotamento do mestre. Para a compreensão do texto, dizia ele, eram inseparáveis as duas estruturas: a sintática e o sentido. As lições não ficaram apenas na memória. Quando optei profissionalmente pelo ensino de Língua Portuguesa, estava muito claro que procurava seguir os passos do mestre com quem aprendi a ler.
A beleza do Liceu atualiza esta saudade que vai perto de meio século. E pelos corredores, pelas salas de aula, pelas novas passarelas imagino meu professor Gibson na elegância de seu terno impecável, combinado com a gravata da mais pura seda, o perfume suave da mais fina colônia e a permanente alegria de quem dava aula como se participasse de uma grande festa. E nos amplos espaços do velho colégio parecem ecoar ainda suas sonoras gargalhadas inconfundíveis, música para o meu coração.
Mas quem pensa sobre o Liceu não pode restringir-se à beleza arquitetônica ou ao cultivo da doce e imorredoura saudade. Existe uma grande lição a ser tirada de sua história – a certeza de que o ensino público de qualidade não é uma miragem, um sonho impossível.
Por certo a maior beleza do Liceu, a sua verdadeira grandeza é ser símbolo de uma utopia possível. Bastaria retomar Anísio Teixeira e Paulo Freire, olhando para o tempo presente e para o futuro. E, na reflexão dos grandes educadores brasileiros, encontrar o caminho para restaurar também a dignidade do professor e a cidadania das novas gerações sobre o alicerce da educação que conscientiza e liberta.