A geografia tem sido injusta e arredia com Gonzaguinha. A Paraíba, neste sofrido Nordeste, rarissimamente tem os seus talentos reverenciados. Triste terra onde ruge o vento nordeste. Sempre admiti que ninguém nasce na Paraíba impunemente. A história do Neguinho Gonzaga é a história de um sobrevivente que escapou da cilada da mediocridade que poderia ter lhe imposto o castigo de ser apenas um barnabé do massacrado e inerte do funcionalismo público. Refugiou-se como um apátrida na sua superior Inteligência e domínio das letras, e, passo a passo, dor a dor com sua humildade e grandeza, teve reconhecida por muito poucos a sua extremada eloquência literária. Tornou-se um arauto, e competente espião da alma humana da sociedade.
Escreveu como um danado, e se afirmou à revelia de sua timidez como um brilhante e extraordinário homem das Letras. Dominou a palavra, e como nenhum outro cronista contemporâneo erigiu a honrosa cumplicidade apaixonada entre o sentir dos seus pensamentos represados e a fluente precisão do bem escrever.
Gonzaga Rodrigues, do altar de sua humildade, enfrentou na intimidade o duelo entre a timidez refreada e a inteligência exuberante. Desse sofrido combate, sobreviveu a lúcida e generosa precisão dos seus escritos, muito longe do hermetismo da vaidade estéril do academicismo.
Tornou-se um valoroso e inigualável paridor de textos E nós, seus leitores, fomos brindados com a qualidade de sua mente e mãos. Nos restando, creditou insignes apenas admirações ao acalentar os seus formidáveis rebentos.
Dominou como poucos o vernáculo. Encabrestou o proselitismo e o exibicionismo vocabular. Impôs um estilo escorreito, apenas escravo do seus sentimentos e emoções. Dominou o pedantismo de amostrados e complicados textos. Nas folhas em branco, lavrou o campo dos seus pensamentos, plantou sementes que afloraram num belo jardim de imagens e frases, cada palavra em seu canto. Ler Gonzaga me traz à tona prazer juvenil que tive ao devorar os escritos de Eça de Queirós.
Concede-nos o prazer de beber a água pura e transparente de uma nascente, e dos regatos do Brejo. E mais, o seu espírito cristalizado na síntese de sua linguagem, o que nos leva aos lugares comuns, em que todos os leitores se encontram com sua oral simplicidade. Importou da poesia a riqueza e precisão lacônica, que nos diz o que os nossos sentimentos e prazeres desejam ler e sentir.
Tenho sobejas razões ao ser contemplador e admirador de sua grandeza e precisão literária. Me sobram ser e confessar, com uma ponta de inveja, a alegria que sinto sobre seus dizeres, que exalam os encantos dos textos que migram de sua alma.
Cumpre-me lhe externar, tardiamente, no alto de sua oitava década, a minha mais profunda e genuflexa reverencia e congratulações.
Parafraseando Brecht, diria eu: “muitos escrevem dias, anos são muito bons. Mas os que escrevem belamente toda uma vida, não são apenas bons, são imprescindíveis na construção da grandeza do ser humano."
Ao Neguinho Luís Gonzaga Rodrigues não foi concedida a auréola da genialidade. É refém da nordestinidade paraibana que o atraiçoa pelo periférico avesso geográfico, que lhe tributa o reconhecimento e o louvor apenas de nós, seus desatados conterrâneos e admiradores.
Longa vida à vida e a grandeza deste radiante mestre, que “aprendeu caminhar na terra, voa nos céus e navega no mar” sem nunca ter sido ensinado.
Pobres paraibanos, que aos milhões estão submersos numa profunda e ancestral ignorância. São nossas gerações que pisoteiam no chão batido da mediocridade. Dos incultos que nunca poderão tangenciar os extremos valores, como homem de bem e o literato da póvoa de Alagoa Nova, que foi e será sempre o chão de Gonzaga Rodrigues