Antônio Maria foi cronista, compositor e muitas coisas mais. Suas crônicas, de forte tendência introspectiva, abordam sobretudo a boêmia carioca dos anos anteriores à ditadura. Maria era um gordo melancólico, que vertia a sua tristeza em canções impregnadas de dor de cotovelo e em textos cuja tônica era a solidão.
Ele era cardíaco mas não ligava para isso, o que o levou a se qualificar como “cardisplicente”. Essa palavra-centauro reflete o seu bom humor e uma habilidade no manejo da língua que o irmana a cronistas como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Carlinhos Oliveira e outros nos quais a crônica atinge o estatuto de grande literatura.
Maria morreu num táxi, de um infarto fulminante, depois de informar ao motorista o endereço onde morava. Outra versão diz que o óbito se deu quando ele caminhava em direção a Le Rond Point, em Copacabana (prefiro acreditar na primeira, que me foi passada por Antonio Carlos Villaça). O fato ocorreu em 15 de outubro do ano de 1964, poucos meses depois da Revolução.
Como uma espécie de “consolo” pela morte do amigo, Vinicius de Moraes então escreveu: “Às vezes eu fico pensando. Não sei se você gostaria de estar vivo agora, meu caro Maria, depois de 1964. Tudo piorou muito, o governo, o meu caráter, a música”.
Conversei na última semana com Antônio Maria. Sua condição de morto não foi empecilho para o nosso encontro, pois o autor de Ninguém me ama continua vivo em suas crônicas. Graças a elas eu pude, sem expedientes mediúnicos, ter acesso ao seu espírito. Nosso papo ocorreu num domingo e tratou de temas muito caros a ele, como a beleza (ou a falta dela), a solidão e as mulheres. Vamos então à conversa:
– Você sofre por se achar feio?
– Não há nada mais sem graça que homem bonito. São chatíssimos. Os verdadeiros canastrões da vida real! Examinem, por aí, o enorme êxito dos feios. Frank Sinatra, por exemplo. Não há homem que dê mais sorte com mulher, no mundo inteiro.
– Dizem que você, nos últimos anos, tem preferido a solidão. É verdade?
– A experiência de viver tranca o homem, cada vez mais, em si mesmo, aconselhando-o a sarar, sozinho, todas as escoriações da alma.
– Você se considera um homem virtuoso?
– Tenho todos os defeitos que, nos outros, detesto. Só uma disposição em mim é generosa – a do amor.
– Quem, entre os seres humanos, sofre mais?
– Ah, o martírio dos amantes, que não se acreditam, que não se confiam, que não têm senão um cárcere de medos, onde afogam o sentimento espiritualíssimo da carne.
– Você condena os adúlteros?
– É preciso que se respeite o adultério. É pecado, é ilegal, é tudo que se queira, mas existe desde os começos da humanidade.
– As mulheres de hoje se vestem bem?
– Quando a moda feminina será imaginada e desenhada por mulheres? Os costureiros, nem sempre rigorosamente homens, por mais arte que emprestem às suas criações, deixam em cada modelo, propositadamente, um detalhe negativo de absurdo ou de ridículo.
– Que é que você sabe de Deus, de outra vida, do sobrenatural?
– A gente não sabe nada sobre as coisas de que tem medo. Teme, sem discutir. Mulher, por exemplo, que tem medo de barata, que sabe a mulher sobre as baratas? Assim sou eu, com o céu e Deus.