Por mais que as prefeituras enfeitem os grandes centros urbanos, São-João bom mesmo é em cidade do interior. Mas será que depois da televisão e do computador ainda existem aqueles redutos caipiras onde é possível se impregnar do espírito da festa? Certamente que não.
Não há mais agrupamentos urbanos como o que Drummond eternizou no poema “Cidadezinha qualquer”. A simplicidade dos versos e o rigor na seleção das imagens fazem dele uma pequena obra-prima. Vejam:
Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar, amor, cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
O essencial da poesia é adequar a linguagem ao “conteúdo” que se quer expressar. Do ajuste entre palavras, estruturas sintáticas, recursos retóricos e o que o poema recorta do mundo depende a sua eficácia. Vejamos como essa sintonia ocorre na composição de Drummond.
A primeira estrofe é composta de três versos estruturados como frases nominais. A frase nominal é aquela que se constrói sem verbo. Ora, se numa cidadezinha do interior praticamente não há movimento, nada melhor do que a supressão do elemento verbal para indicar isso. O verbo, como se sabe, é palavra que indica ação.
A estruturação nominal das frases permite outro recurso importante: ligar por meio da preposição “entre” os substantivos “casas” e “mulheres” aos consequentes “bananeiras” e “laranjeiras”. Qual o propósito do poeta com isso? Destacar a mistura que existe no interior entre o mundo da cultura e o da natureza. Quanto mais primitivo o meio, menos o homem se distingue de árvores e bichos. Mais se animaliza.
Os três primeiros versos da segunda estrofe traduzem ainda melhor essa ideia. Neles, homem, cachorro e burro nivelam-se por fazerem a mesma coisa (ir devagar).
Quem vai, vai necessariamente a algum lugar. Ou seja: comumente esse verbo é modificado por um adjunto adverbial. Ao suprimir o adjunto, o autor dá a entender que os três simplesmente marcham – sem meta, sem rumo, sem projeto.
E há o que fazer em tal cidadezinha? Nela a vida é tão modorrenta que as pessoas passam os dias nas janelas. O uso da metonímia no último verso da segunda estrofe sugere que o ato de estar ali é tão comum, que pessoas e janelas (conteúdo e continente) se confundem. Dá para representar uma pela outra.
O verso final é de uma ironia terna, que não disfarça a simpatia do poeta. Quem, sobretudo vindo do interior, não se comove com as lembranças tolas e ingênuas de uma cidadezinha assim? Em tempos de fogueiras e balões proibidos, é nela que gostaríamos de viver o São-João.