A violência destrói os afetos e toda dignidade humana. Isso gera um pessimismo, e sua desesperança contribui para forçar uma sedutora fal...

Cansaço das incertezas

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A violência destrói os afetos e toda dignidade humana. Isso gera um pessimismo, e sua desesperança contribui para forçar uma sedutora falsa imagem do indivíduo, de forma a transformar as mentiras em ideologia. Diante dessa tirania, faz-se necessário aguardar a sua autodestruição. Entretanto, é possível construir uma esperança através dos afetos, porque existe na própria consciência uma necessidade de não suportar uma mentira por um longo tempo.

O filósofo holandês Baruch Espinoza (1632—1677) afirma que o conhecimento é o mais vigoroso dos afetos. E conhecer os afetos racionalmente é a possibilidade de encontrar a liberdade. Em relação aos afetos,
a partir da terceira parte do seu livro da “Ética” (1677), que apresenta “A Origem e a Natureza dos Afetos”, afirma que eles são a transição de um estado de perfeição para outro, e se dá através do corpo por ser uma dinâmica de forças que possui a capacidade de manter-se. Os afetos são essas variações que uma força efetua quando se encontra com o mundo. Nessa sua tese, o conhecimento parte do corpo através do que se sente, também do que é afetado por estar no mundo. Nesse contexto, “corpo e mente” são uma única unidade. Enquanto a “mente” constrói uma afinidade com o mundo ao seu redor... o “corpo” se torna capaz de agir no mundo.

Espinosa afirma que “o conhecimento intelectual é igual ao conhecimento afetivo”, e não é possível alcançar a liberdade sem esse conhecimento, e o “afeto da alegria” é capaz de extrair a ignorância das suas causas e seus efeitos, a fim de construir um pensamento racional. Diante disso, um dos objetivos da filosofia espinosista é mostrar como a razão pode tornar-se um afeto. Isso não afirma que a razão precisa da emoção para tornar-se efetiva e nem a emoção pode conduzir-se com ajuda da razão, porque afeto e razão tornam-se uma única substância, e a mente e o corpo não estão separados. Essa tese apresenta a racionalidade enquanto força para afirmar uma ideia, que conduz a união do desejo com a razão. Geralmente a vontade é um esforço para entender o que se deseja e desejar o que se compreende, e a razão pode reordenar os afetos, a fim de estabelecer uma harmonia com eles.

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"Espinoza e os Rabinos" ▪ Samuel Hirszenberg ▪ 1907
A Ética de Espinosa não se constitui somente de leis, porque a razão encontra novas regras de conveniência para estabelecer uma saudável convivência social. Isso apresenta uma diferença entre moral e ética, e o conhecimento torna clara essa diferenciação. Essa Ética nasce de afetos alegres; também, de uma intensa confiança na vida, que é diferente da moral - que se alimenta de limitações e tristezas. Por isso, o conhecimento dos afetos afasta o indivíduo da moral e o insere no campo da ética. A partir disso, existe uma transformação dos afetos, e uma apologia ao uso prático do corpo. A harmonia entre mente e corpo, isto é, razão e emoção, através do pensamento, gera uma produção de novos sentidos. Essa relação se inova na vida cotidiana por ser um conhecimento prático, que em cada nova experiência pode aprimorar-se. E o objetivo desse desafio está na constante busca de novas ideias e afetos, porque aprender a viver é útil em si mesmo. Na filosofia espinosista, a razão é um instrumento da virtude por construir a alegria, e através do “esforço do desejo” se supera o cansaço das incertezas e potencializa o conhecimento em afeto.

Concluo com este poema “Peço Silêncio” do poeta chileno Pablo Neruda (1904 – 1973):

Agora me deixem tranquilo. Agora se acostumem sem mim. Eu vou cerrar os meus olhos. Somente quero cinco coisas, cinco raízes preferidas. Uma é o amor sem fim. A segunda é ver o outono. Não posso ser sem que as folhas voem e voltem à terra. A terceira é o grave inverno, a chuva que amei, a carícia do fogo no frio silvestre. Em quarto lugar o verão redondo como uma melancia. A quinta coisa são os teus olhos, Matilde minha, bem-amada, não quero dormir sem os teus olhos, não quero ser sem que me olhes: eu mudo a primavera para que me sigas olhando. Amigos, isso é quanto quero. É quase nada e quase tudo. Agora se querem, podem ir. Vivi tanto que um dia terão de por força me esquecer, apagando-me do quadro-negro: meu coração foi interminável. Porém porque peço silêncio não creiam que vou morrer: passa comigo o contrário: sucede que vou viver. Sucede que sou e que sigo. Não será, pois lá bem dentro de mim crescerão cereais, primeiro os grãos que rompem a terra para ver a luz, porém a mãe terra é escura: e dentro de mim sou escuro: sou como um poço em cujas águas a noite deixa suas estrelas e segue sozinha pelo campo. Sucede que tanto vivi que quero viver outro tanto. Nunca me senti tão sonoro, nunca tive tantos beijos. Agora, como sempre, é cedo. Voa a luz com suas abelhas. Me deixem só com o dia. Peço licença para nascer.

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