A violência destrói os afetos e toda dignidade humana. Isso gera um pessimismo, e sua desesperança contribui para forçar uma sedutora falsa imagem do indivíduo, de forma a transformar as mentiras em ideologia. Diante dessa tirania, faz-se necessário aguardar a sua autodestruição. Entretanto, é possível construir uma esperança através dos afetos, porque existe na própria consciência uma necessidade de não suportar uma mentira por um longo tempo.
O filósofo holandês Baruch Espinoza (1632—1677) afirma que o conhecimento é o mais vigoroso dos afetos. E conhecer os afetos racionalmente é a possibilidade de encontrar a liberdade. Em relação aos afetos,
Espinosa afirma que “o conhecimento intelectual é igual ao conhecimento afetivo”, e não é possível alcançar a liberdade sem esse conhecimento, e o “afeto da alegria” é capaz de extrair a ignorância das suas causas e seus efeitos, a fim de construir um pensamento racional. Diante disso, um dos objetivos da filosofia espinosista é mostrar como a razão pode tornar-se um afeto. Isso não afirma que a razão precisa da emoção para tornar-se efetiva e nem a emoção pode conduzir-se com ajuda da razão, porque afeto e razão tornam-se uma única substância, e a mente e o corpo não estão separados. Essa tese apresenta a racionalidade enquanto força para afirmar uma ideia, que conduz a união do desejo com a razão. Geralmente a vontade é um esforço para entender o que se deseja e desejar o que se compreende, e a razão pode reordenar os afetos, a fim de estabelecer uma harmonia com eles.
"Espinoza e os Rabinos" ▪ Samuel Hirszenberg ▪ 1907
Concluo com este poema “Peço Silêncio” do poeta chileno Pablo Neruda (1904 – 1973):
Agora me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.
Eu vou cerrar os meus olhos.
Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
voem e voltem à terra.
A terceira é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
do fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são os teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem os teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que me sigas olhando.
Amigos, isso é quanto quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro-negro:
meu coração foi interminável.
Porém porque peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
sucede que vou viver.
Sucede que sou e que sigo.
Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém a mãe terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.
Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia.
Peço licença para nascer.