Tudo o que se escreva sobre Pushkin será insuficiente para atestar a sua genialidade, o seu incomensurável talento de escritor e a paixão que provoca até hoje no povo russo e nos amantes de sua poesia e sua prosa. Ele é um símbolo, um marco da literatura mundial, conhecido como o Sol da poesia russa. No entanto, a dificuldade de traduzir sua obra com o mesmo ritmo e o mesmo espírito, o que implicaria em conhecer profundamente a cultura e a mitologia russas, contribuiu para que Pushkin fosse pouco conhecido fora da Rússia e entre nós, no Brasil.
Feio, pobre, irreverente, passional, irrequieto, viciado em jogos de azar, perseguido e protegido pelos czares, desprezado pelos nobres e venerado pelo povo, Pushkin conseguiu, com seu talento e genialidade, expressar como nenhum outro escritor de sua época, os anseios da alma do povo russo.
Considerado como fundador da literatura russa moderna, ele influenciou a escrita de autores como Dostoiévski, Tolstói, Bunin, bem como os compositores Tchaikovski, Rimsky-Korsakov e Mussorgski. Inspirou pintores e escultores. Seus livros em versos sobre heróis mágicos, príncipes, princesas, e personagens do folclore russo prosseguem encantando gerações e gerações de jovens, crianças e adultos de todas as idades.
Sua obra inclui gêneros muito diversos: odes clássicas, poemas românticos, versos políticos e de amor, novelas, dramas históricos, prosa realista, poemas infantis e diários de viagem.
Pushkin, nasceu em 6 de junho de 1799, em Moscou, exatamente um século depois de seu bisavô materno, Abrahão Ibrahim Hannibal, (1699), príncipe etíope capturado pelos caçadores de escravos a serviço dos otomanos em 1704. Natural da antiga Abissínia, Hannibal tornou-se pajem do sultão Ahmed III em Constantinopla. Convertido ao islamismo, recebeu o nome de Ibrahim. No final de 1704, foi levado secretamente à Rússia para a corte do czar Pedro, o Grande. A criança negra, renomeada como Abraão e convertida à religião ortodoxa russa, encantou o czar. Pedro o libertou, adotou-o e o fez viver na corte como seu afilhado. Em 1717 Hannibal foi enviado para estudar na França, de onde retornou em 1723 com o diploma de engenheiro militar. Recebeu então título de nobreza e posto de capitão do exército. Na época em que viveu em Paris, conheceu Voltaire, Montesquieu e Diderot, entre outros pensadores, que o chamavam de “estrela negra do Iluminismo”.
A mãe de Pushkin, Nadejda Osipova, neta de Hannibal, casou-se com Serguey Lvovich Pushkin, de família nobre, e teve sete filhos, dos quais apenas três sobreviveram: Aleksandr, Olga e Leo.
Até a idade de 12 anos, Pushkin só falava em francês — língua oficial da aristocracia russa. Foi criado longe dos pais, por sua avó materna e sua babá, uma humilde camponesa que lhe transmitiu um amor profundo pelos contos folclóricos e poesia russos. Entre os anos de 1811 e 1817, foi enviado para o Liceu Imperial de Tsárskoie Siló. Ali recebeu uma esmerada educação literária. Leu compulsivamente Molière, Voltaire, Evaristo Parmy e também os ingleses Byron e Shakespeare, desde que os encontrou nas estantes de livros da casa de seu pai. Em 1815, recitou os seus versos num exame público desse Liceu, presidido por Derjávin, o ministro-poeta. Ao ouvir os primeiros versos, Derjávin levantou-se da cadeira e exclamou entusiasmado: "Eis o meu sucessor!”
Ainda no Liceu, Pushkin começou a escrever seu primeiro poema longo: um conto épico “Ruslan e Liudmila” publicado em 1820. Essa obra destruiu os cânones poéticos do Neoclassicismo, desconcertando os literatos mais famosos e atraindo um número incalculável de leitores e admiradores. A narrativa expõe o sequestro da filha do Príncipe Vladimir da Rus de Kiev, que reinou de 980 a 1015, por um feiticeiro malvado e a tentativa do bravo cavaleiro Ruslan de encontrá-la e resgatá-la. O romance em versos é composto por seis cantos, um prólogo e um epílogo e começou a ser escrito em 1817.Comenta-se que Jukovski, ao ler a obra, enviou-lhe o seu retrato com uma dedicatória “Do mestre vencido, ao discípulo vencedor”. Nesse ano, quando Pushkin completou seu 18º aniversário, já possuía 120 obras em verso e em prosa , em todos os gêneros. Começou, então, a criar seu próprio estilo de escrita.
Antes de ser publicado em 1820, o escritor foi exilado no sul da Rússia por ideias políticas que expressou em outras obras, como no “Canto à Liberdade”. Serviu, então, junto às tropas do General Inzov, com quem marchou do Cáucaso à Criméia. O exílio e o deslocamento constantes influenciaram sobremaneira na natureza e na intensidade de sua produção literária.
Em 1823 o poeta começou a escrever sua célebre novela, com 400 versos, “Evguenii Onegin”, que editou durante sete anos e meio, em capítulos (1823—1832). Essa obra ficou conhecida como o primeiro romance realista da literatura russa do século XIX, e também como o seu mais melodioso poema.
Sua vida desregrada, seus inúmeros romances, seu envolvimento com amigos dezembristas, sua paixão pelos jogos de baralho — nos quais perdia sempre todos os seus ganhos — e sua convivência por meses com tribos ciganas, que amava, esgotaram a paciência de Inzov, que solicitou ao czar a transferência do escritor para Odessa, então a segunda cidade em importância do reino, o que ocorreu no verão de 1823. O poeta foi designado para servir ao conde Vorontsov, prefeito da cidade.
Pushkin conheceu então a condessa Elizaveta Vorontsova, esposa do prefeito, por quem se apaixonou e foi correspondido. O escândalo veio à tona e resultou em seu banimento de Odessa. Em 1824 ele foi novamente exilado, dessa vez para Mikhailovskoye, para a propriedade rural de sua mãe, e se despediu do Mar Negro, escrevendo seu famoso “Poema ao Mar.” A correspondência entre os amantes continuou até 1825, quando Elizaveta pediu ao escritor que queimasse todas as mensagens que haviam trocado, para não a comprometer. Ele a atendeu e selou o fim do romance com o poema “Carta Queimada”.
Sabe-se que entre 1828 e 1830 o escritor enamorou-se de Anna Alekseyevna, nascida Olenina, a quem dedicou seus mais ardentes versos de amor. Ele a conheceu quando, em 1819, ficou hospedado em casa de sua família. Em 1829, um enamorado Pushkin a pediu em casamento. Recebeu uma recusa categórica dos pais da moça, que almejavam um pretendente mais qualificado e mais rico. Os jovens reencontraram-se seis anos depois, em Trigorski, Anna já casada e com o sobrenome Kem. Nesse reencontro reascendeu-se a antiga paixão, e o poeta a presenteou com os versos de “K” Lembro de um momento maravilhoso” que é um dos poemas mais emocionados, sinceros, apaixonados e declamados até hoje. Esses versos posteriormente foram incluídos na sua obra “Evguenii Onegin”.
Em 1825 morreu o czar Alecsandr I sem deixar herdeiros. Houve o levante dos dezembristas. Em 1829 a Rússia entrou em guerra com a Turquia, nos Balcãs. Nicolau I foi empossado como o novo czar. Ele tomou o poeta sob a sua proteção e não lhe permitiu ir para a guerra. Com a desculpa de visitar seu irmão no front, Pushkin, desobediente, retornou ao Cáucaso. Apaixonado pela região, viajou pela Geórgia e Armênia. Permaneceu alguns dias em Tifliz, protegido pelos cossacos, onde, numa festa grandiosa, celebrou seu 30º aniversário. Nesse ano conheceu Natália Nikoláievna Gontcharova, sua futura mulher, e iniciaram uma intensa correspondência.
Em 1830 Pushkin, sofrendo a perseguição da polícia secreta do czar, foi novamente exilado da corte e enviado a Pskov. Na propriedade familiar, permaneceu num pequeno quarto, isolado da vida agitada da capital e, na companhia única de sua velha e querida ama, entregou-se à bebida, à leitura e à escrita. Leu W. Scott, Shakespeare, Schiller, Goethe, Moore, Dante, Cervantes, Petrarca, Milton. Escreveu poemas líricos e o início da tragédia “Boris Godunov”. Ouviu os contos russos que Arina Rodionovna lhe contava e que o inspiraram para compor seus contos infantis mais conhecidos: “A História do Rei Saltan” e o “Conto da Princesa morta e os sete cavaleiros”. Duas obras-primas da literatura infantil. Nesse ano, o czar Alecsandr I o convocou a Moscou e lhe concedeu o direito de sair de seu exílio, supervisionando pessoalmente sua produção.
Pushkin ficou noivo de Natália Gontcharova em maio de 1830. Em fevereiro do ano seguinte, eles se casaram e mudaram-se para São Petersburgo. Considerada uma das beldades russas da época, Natália tornou-se presença obrigatória em todos os eventos sociais, sendo assediada pelo próprio imperador, que a proclamou “Rainha dos bailes da Corte”. Em 1832 nasceu a primeira filha do casal, Maria, e Natália engravidou novamente. Em julho de 1833, nasceu Alecsandr. Pushkin, apesar de sua vasta produção literária, encontrava-se em sérias dificuldades financeiras, que resultaram da vida dispendiosa que levavam.
Ao retomar a vida na corte, após o nascimento dos filhos, Natália reencontrou-se com o barão George-Charles D’Anthès, um belo oficial francês que veio à Rússia em 1833, protegido do embaixador da Holanda, para servir na guarda do imperador. Vistos constantemente juntos em diversos locais, o romance passou a ser comentado por todos. Pushkin passou a receber cartas anônimas, avisando-o sobre o caso de sua mulher com D'Anthès, e até sugerindo um romance com o próprio czar. Furioso, ele desafiou D’Anthès para um duelo, que não aconteceu, por interferência de amigos e da própria esposa, que sempre negou esse envolvimento.
A vida conjugal dos jovens era um desastre. A frieza de Natália e seus flertes fora do casamento, os romances passageiros do escritor com outras mulheres, as seguidas gravidezes da esposa, as dificuldades financeiras cada vez maiores, a saúde fragilizada, não o impediram de criar cada vez mais. O poeta partiu para Boldino, em busca de um pouco de paz. Lá escreveu o belíssimo conto em versos “O Galo de Ouro”, os poemas do ciclo “Cantos dos Eslavos Orientais” e iniciou a redação do romance “A Filha do Capitão”. Ao voltar para Petersburgo, encontrou Natália grávida pela quarta vez.
Para que cessassem de uma vez os boatos sobre o romance de D’Ánthès e Natália, o oficial pediu Ekaterina, irmã de Natália, em casamento. Pushkin não compareceu às bodas e proibiu que o casal frequentasse a sua residência. D’Anthès voltou a cortejar Natália intensivamente, não sendo rejeitado pela amante. Pushkin passou a receber novamente cartas anônimas e voltou a desafiar o oficial a um duelo, que aconteceu no dia 27 de janeiro, e no qual foi mortalmente ferido. Morreu às 2h45 do dia 29 de janeiro de 1837 em meio a muito sofrimento e dores. Em seu leito de morte, o poeta inocentou Natália de qualquer traição.
Nicolau I garantiu o futuro da família Pushkin. Pagou todas as suas dívidas. Ordenou que a família recebesse um subsídio fixo de 10 mil rublos. Estipulou uma pensão à viúva e suas filhas, e tomou os filhos do poeta como escudeiros. Além disso, retirou o título militar de D’Anthès e o exilou para a França.
Assim que a notícia do grave ferimento de Pushkin se espalhou, sua casa foi cercada por pessoas humildes, que o veneravam em sua morte, e pelos amigos mais próximos. Ele foi enterrado no jazigo da família, junto à mãe e ao avô Hannibal em Mikhalovskoie, uma semana mais tarde, numa cerimônia reservada a poucos amigos.
Nos seus breves 38 anos de vida, o escritor deixou uma vastíssima obra na qual se destacam centenas de inspirados poemas de amor e os livros:
▪ Ruslan e Liudmila (seu primeiro romance em versos, publicado em 1820)
▪ Prisioneiro do Cáucaso (poema, 1821)
▪ Boris Godunov (escrito entre 1820 e 1824, mas publicado apenas em 1831 e liberado pela censura apenas em 1866)
▪ Pequenas Tragédias (1830)
▪ Evguenii Oneguin (novela em versos escrita entre 1823 e 1831)
▪ A História do Czar Saltan (história em versos, 1831)
▪ Mozart e Salieri (ópera de um ato baseada no poema de Pushkin, 1832)
▪ O Cavaleiro de Bronze (poesia épica considerada por muitos críticos como o maior poema escrito no século XIX, 1833)
▪ A Filha do Capitão (1836)
▪ Russalka (Sereia) (1837)
▪ O Bandido Dubrovsky (1841)
▪ Marie: uma História de Amor Russa (ficção histórica que se desenvolve durante o reinado de Catarina II)
Na antiga URSS, instituiu-se um verdadeiro culto a Pushkin. Em cada sala de aula e praticamente em todas as residências, estava presente, obrigatoriamente, a reprodução de um retrato do poeta pintado por Tropinin ou por Kiprenski. Em 1937 foram realizados eventos comemorativos em homenagem ao centenário de sua morte e, anos depois, o 150º aniversário de seu nascimento foi bastante festejado. Pushkin se transformou em um símbolo do Estado e é o escritor mais amado da Rússia até hoje.
Traduzindo a poesia de Pushkin
por Cesar Veneziani
por Cesar Veneziani
Pushkin está para a língua russa assim como Dante para o italiano, Shakespeare para o inglês e Camões para o português. Nomes maiores em seus idiomas, refundaram sua língua com base na leitura da alma de seus povos.
E como traduzir autores tão icônicos?
A resposta que tenho é mais simples do que se poderia esperar: mantendo suas características formais para trazer para o português as marcas que os tornaram únicos em sua origem. No Pushkin poeta – que ele transitou por todos os estilos literários – encontramos extrema habilidade em trabalhar o verso, mantendo ritmo e sonoridade que diferenciaram sua produção poética. Sendo assim, traduzir sua poesia exige uma profunda análise que vai além da informação semântica: exige que se observe atentamente as nuances de metro, ritmo e sonoridade e, usando as ferramentas disponíveis na nossa língua portuguesa, tentar reproduzir as informações semânticas assim como as informações estéticas.
Como proceder na prática? Num primeiro momento, buscar a compreensão da mensagem do texto original. Também é necessário que um “nativo na língua” faça uma leitura que identifique ritmo e sonoridade. A escritora Ludmila Saharovski providenciou tanto a tradução da informação semântica como um áudio com as leituras – verdadeiras interpretações – dos poemas a serem traduzidos. Com base no áudio, buscamos, com o auxílio da leitura em cirílico, identificar o metro e as sílabas tônicas neles inseridas. Pesquisas a respeito da obra foram feitas para corroborar os resultados alcançados. Em todos os poemas, que também foram encontrados traduzidos para o inglês, a mesma métrica e o mesmo esquema de rimas se destacaram. Com essas informações em mãos, podemos dar início ao trabalho de re-produzir o texto em português.
Os poemas com os quais trabalhamos são: “K***”, “A carta queimada”, “Elegia” e “Eu vos amei”.
K***
Métrica: Ouvindo o áudio da leitura do original russo percebemos neste poema as marcações dos quatro pés iâmbicos (pares de sílabas constituídos por uma sílaba átona e uma sílaba tônica) que, ainda que de forma generalizada, podemos espelhar no nosso verso octossílabo (verso com oito sílabas poéticas), não muito comum no português.
Rima: Mesmo quem não lê o alfabeto cirílico consegue perceber que os caracteres dos versos ímpares assim como os versos pares de cada estrofe são semelhantes, o que evidencia um esquema de rimas em ABAB nas seis estrofes.
A tradução:
К***
Я помню чудное мгновенье: Передо мной явилась ты, Как мимолетное виденье, Как гений чистой красоты.
Я помню чудное мгновенье: Передо мной явилась ты, Как мимолетное виденье, Как гений чистой красоты.
K***
Me lembro do esplêndido instante Em que surgiste à minha frente Como fugaz visão flanante, Gênio de beleza envolvente.
Me lembro do esplêndido instante Em que surgiste à minha frente Como fugaz visão flanante, Gênio de beleza envolvente.
В томленьх грусти безнадежной
В тревогах шумной суеты
Звучал мне долго голос нежный
И снились милые черты.
Na apatia da dor infinda
Na confusão desta ansiedade,
No sonho, da tua voz tão linda,
Bem suave, ressoava a tua face.
Шли годы. Бурь порыв мятежной
Рассеял прежние мечты,
И я забыл твой голос нежный,
Твой небесные черты.
E vai-se o tempo... Ventos, pressa,
Espalham os anseios velhos...
Fazem que de tua voz esqueça
Como de teus traços tão belos.
В глуши, во мраке заточенья
Тянулись тихо дни мои
Без божества, без вдохновенья,
Без слез, без жизни, без любви.
Neste escuro confinamento
Mudos dias são sem clamor,
Sem a virtude e sem o alento,
Sem pranto, vida e sem amor.
Душе настало пробужденье:
И вот опять явилась ты,
Как милолетное виденье,
Как гений чистой красоты.
Com a alma desperta, vibrante,
Tu surgiste aqui novamente
Como fugaz visão flanante,
Gênio de beleza envolvente.
И сердце бьется в упоенье,
И для него воскресли вновь
И божество, и вдохновенье,
И жизнь, и слезы, и любовь.
Extasiado o meu coração
Traz ressuscitado o valor:
Com divindade e inspiração,
E vida, e lágrimas e amor.
A CARTA QUEIMADA
Métrica: Ainda que os versos sejam mais longos, conseguimos identificar seis pés iâmbicos ouvindo o áudio da interpretação do poema, os quais podemos espelhar no nosso verso dodecassílabo, verso de 12 sílabas em português. Este verso apresenta uma particularidade: normalmente no português, devido à tradição que nos remete à poesia francesa, adota-se uma forma peculiar, com uma tônica necessariamente na 6ª sílaba e ainda juntando (o termo é “elidindo”) com a próxima sílaba do verso quando iniciada em vogal. A esse verso dá-se o nome de “Alexandrino”. Existe uma variação do verso alexandrino, que é o “Alexandrino Trimétrico” onde as tônicas estão nas 4ª, 8ª e 12ª sílabas, sem a necessidade de junção (ou “elisão”) com a sílaba seguinte. Seguindo essa tradição, fizemos os versos desta tradução em alexandrinos (a maioria deles) e em alexandrinos trimétricos (alguns outros).
Rima: Mais uma vez analisando os caracteres do alfabeto cirílico, conseguimos perceber que os finais dos versos em pares são semelhantes, deixando claro que o esquema de rimas no poema é AABBCCDDEEFFGGX, sendo o único que não rima o verso final.
A tradução:
СОЖЖЕННОЕ ПИСЬМО
Прощай, письмо любви! прощай: она велела. Как долго медлил я! как долго не хотела Рука предать огню все радости мои!.. Но полно, час настал. Гори, письмо любви. Готов я; ничему душа моя не внемлет. Уж пламя жадное листы твои приемлет... Минуту!.. вспыхнули! пылают — легкий дым Виясь, теряется с молением моим. Уж перстня верного утратя впечатленье, Растопленный сургуч кипит... О провиденье! Свершилось! Темные свернулися листы; На легком пепле их заветные черты Белеют... Грудь моя стеснилась. Пепел милый, Отрада бедная в судьбе моей унылой, Останься век со мной на горестной груди...
Прощай, письмо любви! прощай: она велела. Как долго медлил я! как долго не хотела Рука предать огню все радости мои!.. Но полно, час настал. Гори, письмо любви. Готов я; ничему душа моя не внемлет. Уж пламя жадное листы твои приемлет... Минуту!.. вспыхнули! пылают — легкий дым Виясь, теряется с молением моим. Уж перстня верного утратя впечатленье, Растопленный сургуч кипит... О провиденье! Свершилось! Темные свернулися листы; На легком пепле их заветные черты Белеют... Грудь моя стеснилась. Пепел милый, Отрада бедная в судьбе моей унылой, Останься век со мной на горестной груди...
CARTA QUEIMADA
Adeus, carta de amor! Adeus: ela me ordena. Há tempos, demorei! Há tempos vi a cena Da mão deitar ao fogo a todo bom humor!... Mas é chegada a vez. Queima, carta de amor, Eu estou pronto; nada mais minha alma clama E as folhas todas come a já gulosa chama. E pronto!... Espoca... Queima — o leve fumo esvaece E perde a conexão com minhas pobres preces. Já as fiéis digitais de meus dedos se vão. O lacre ferve e escorre... Oh providência, não! É fato! Enrugam-se as folhas no escuro maço Das cinzas leves com seus conhecidos traços Se vão... Meu peito aperta. Oh cinzas que eu estimo, A tão pobre alegria em meu sombrio destino, Que fique um século aqui em mim no peito triste...
Adeus, carta de amor! Adeus: ela me ordena. Há tempos, demorei! Há tempos vi a cena Da mão deitar ao fogo a todo bom humor!... Mas é chegada a vez. Queima, carta de amor, Eu estou pronto; nada mais minha alma clama E as folhas todas come a já gulosa chama. E pronto!... Espoca... Queima — o leve fumo esvaece E perde a conexão com minhas pobres preces. Já as fiéis digitais de meus dedos se vão. O lacre ferve e escorre... Oh providência, não! É fato! Enrugam-se as folhas no escuro maço Das cinzas leves com seus conhecidos traços Se vão... Meu peito aperta. Oh cinzas que eu estimo, A tão pobre alegria em meu sombrio destino, Que fique um século aqui em mim no peito triste...
ELEGIA
Métrica: Analisando o áudio da leitura identificamos neste poema a presença de quatro pés iâmbicos que, como já feito anteriormente, traduzimos com o nosso verso octossílabo.
Rima: Com a observação do alfabeto cirílico somada à audição da declamação, percebemos que as rimas são emparelhadas, ou seja, seguem o padrão AABBCC na primeira estrofe e DDEEFFGG na segunda estrofe.
A tradução:
ЭЛЕГИЯ
Безумных лет угасшее веселье Мне тяжело, как смутное похмелье. Но, как вино — печаль минувших дней В моей душе чем старе, тем сильней. Мой путь уныл. Сулит мне труд и горе Грядущего волнуемое море. Но не хочу, о други, умирать; Я жить хочу, чтоб мыслить и страдать; И ведаю, мне будут наслажденья Меж горестей, забот и треволненья: Порой опять гармонией упьюсь, Над вымыслом слезами обольюсь, И может быть — на мой закат печальный Блеснет любовь улыбкою прощальной.
Безумных лет угасшее веселье Мне тяжело, как смутное похмелье. Но, как вино — печаль минувших дней В моей душе чем старе, тем сильней. Мой путь уныл. Сулит мне труд и горе Грядущего волнуемое море. Но не хочу, о други, умирать; Я жить хочу, чтоб мыслить и страдать; И ведаю, мне будут наслажденья Меж горестей, забот и треволненья: Порой опять гармонией упьюсь, Над вымыслом слезами обольюсь, И может быть — на мой закат печальный Блеснет любовь улыбкою прощальной.
ELEGIA
Finda a alegria de anos loucos Qual ressaca, em mim pesa aos poucos, Mas como o vinho, na alma triste Com o tempo ela mais resiste. O rumo é treva. É triste a sina E um mar revolto se aproxima. Mas não quero, ó amigos, morrer: Quero viver, pensar, sofrer, Que dias melhores virão. Entre a tristeza e a aflição Que me invada a harmonia um tanto, Até que, enfim, me entregue ao pranto. Talvez, no triste ocaso meu Brilhe o amor, sorrindo no adeus.
Finda a alegria de anos loucos Qual ressaca, em mim pesa aos poucos, Mas como o vinho, na alma triste Com o tempo ela mais resiste. O rumo é treva. É triste a sina E um mar revolto se aproxima. Mas não quero, ó amigos, morrer: Quero viver, pensar, sofrer, Que dias melhores virão. Entre a tristeza e a aflição Que me invada a harmonia um tanto, Até que, enfim, me entregue ao pranto. Talvez, no triste ocaso meu Brilhe o amor, sorrindo no adeus.
EU VOS AMEI
Métrica: Com base no áudio da leitura, fica clara a estrutura do poema em cinco pés iâmbicos, também conhecidos e imortalizados nos sonetos de Shakespeare como “pentâmetros iâmbicos” que, adaptados para a métrica adotada no português, traduzimos com o clássico verso decassílabo (verso com dez sílabas poéticas).
Rima: Fica fácil identificar o esquema de rimas com a simples observação do alfabeto cirílico. Com ela percebemos o padrão de rimas em ABABCDCD neste pequeno e não menos belo poema.
A tradução:
Я вас любил
Я вас любил: любовь еще, быть может, В душе моей угасла не совсем; Но пусть она вас больше не тревожит; Я не хочу печалить вас ничем. Я вас любил безмолвно, безнадежно, То робостью, то ревностью томим; Я вас любил так искренно, так нежно, Как дай вам бог любимой быть другим.
A tradução de poesia é difícil mesmo a quatro mãos – renovo meus sinceros agradecimentos ao trabalho excepcional da escritora Ludmila Saharovski –, mas quando a abraçamos com atenção a cada detalhe o resultado pode ser gratificante, como esperamos que tenha sido esta pequena amostra.Я вас любил: любовь еще, быть может, В душе моей угасла не совсем; Но пусть она вас больше не тревожит; Я не хочу печалить вас ничем. Я вас любил безмолвно, безнадежно, То робостью, то ревностью томим; Я вас любил так искренно, так нежно, Как дай вам бог любимой быть другим.
EU VOS AMEI
Eu vos amei, e creio que o amor reste, Que fundo na alma ele ainda bem resiste, Mas que ele nunca mais a vós moleste: Eu não desejo ver-vos mais tão triste. Eu vos amei calado, tão descrente, De ciúme e timidez, com dor sem fim; Eu vos amei sincera e ternamente Que faça Deus que alguém vos ame assim.
Eu vos amei, e creio que o amor reste, Que fundo na alma ele ainda bem resiste, Mas que ele nunca mais a vós moleste: Eu não desejo ver-vos mais tão triste. Eu vos amei calado, tão descrente, De ciúme e timidez, com dor sem fim; Eu vos amei sincera e ternamente Que faça Deus que alguém vos ame assim.