A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um am...

Abraçar junho

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A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um amontoado de espaço, com coqueiros próximos a balançar embalados pela música da ventania. Ali perto, faróis refletiam os pingos decaídos dos céus, em cíclica renovação. A previsão é que serão muitos mais, milhares, milhões, incontáveis, nas próximas horas. Meteorologicamente falando, era vermelho o alerta, realisticamente percebendo, eram perigos e poesias se aproximando.. Junto abraçava a temporada, eu abraçava junho.

Longe dali, o corpo seguia transportado em uma carruagem a motor que desfilava numa estrada. Ao lado, um espelho de lâmina das gotículas acumuladas refletia a luz lunar roubada do sol durante a trégua tempestuosa.
Cristi Goia
Era feito um giz de cera numa lousa negra da noite, meio tenebroso, totalmente belo, mesmo que a perder a nitidez pela umidade. No mar, um risco cortado feito facão ao fatiar um pedaço de alimento, um corte na água, agora salgada.

Junho preocupante das encostas e beiras de rios. As inofensivas gotas ao se ajuntarem, formavam os batalhões e atacavam para reocupar sua libertação das amarras que os homens imaginavam ter imposto às suas margens, suas estradas naturais. E cobrava o preço pelo desmate do verde, sem entender qual o culpado realmente. Alto arrancava vidas com dentes ferozes, esmurrava casas, postes, carros. Era a natureza retomando o controle, ou descontrolando as agressões.

E ao mesmo tempo era um junino poético. O corpo flui pela cidade em cada gota recebida. Em todos os lugares que se transportava bebia e matava a sede de si mesmo. Cada dose alimentava o desejo de vida. Junho, de algum jeito frio, também trazia quenturas. Das festas, dos corpos mais próximos, dos edredons e lençóis para os sortudos de os possuírem.

Loren Gu
Junho mais junino. Festejo da colheita, da fartura, da esperança, da plantação molhada. Tiras verdinhas de mesa garantida. Pelos sertões verdes se espalha, a mesma água que mata afogado, mata a sede. De céu encoberto, cheio de nuvens, que pequenos rasgo azuis aqui e acolá.

Um abraço em junho. Da violência tempestuosa à carícia da chuva no rosto, da prisão domiciliar dos abrigos à lufada de libertação benta da água dos travesseiros voadores. Abraçar junho é abraçar o próprio berço geminiano, dualidade da natureza, inclusive, a humana.

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