A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um amontoado de espaço, com coqueiros próximos a balançar embalados pela música da ventania. Ali perto, faróis refletiam os pingos decaídos dos céus, em cíclica renovação. A previsão é que serão muitos mais, milhares, milhões, incontáveis, nas próximas horas. Meteorologicamente falando, era vermelho o alerta, realisticamente percebendo, eram perigos e poesias se aproximando.. Junto abraçava a temporada, eu abraçava junho.
Longe dali, o corpo seguia transportado em uma carruagem a motor que desfilava numa estrada. Ao lado, um espelho de lâmina das gotículas acumuladas refletia a luz lunar roubada do sol durante a trégua tempestuosa. Era feito um giz de cera numa lousa negra da noite, meio tenebroso, totalmente belo, mesmo que a perder a nitidez pela umidade. No mar, um risco cortado feito facão ao fatiar um pedaço de alimento, um corte na água, agora salgada.
Junho preocupante das encostas e beiras de rios. As inofensivas gotas ao se ajuntarem, formavam os batalhões e atacavam para reocupar sua libertação das amarras que os homens imaginavam ter imposto às suas margens, suas estradas naturais. E cobrava o preço pelo desmate do verde, sem entender qual o culpado realmente. Alto arrancava vidas com dentes ferozes, esmurrava casas, postes, carros. Era a natureza retomando o controle, ou descontrolando as agressões.
E ao mesmo tempo era um junino poético. O corpo flui pela cidade em cada gota recebida. Em todos os lugares que se transportava bebia e matava a sede de si mesmo. Cada dose alimentava o desejo de vida. Junho, de algum jeito frio, também trazia quenturas. Das festas, dos corpos mais próximos, dos edredons e lençóis para os sortudos de os possuírem.
Junho mais junino. Festejo da colheita, da fartura, da esperança, da plantação molhada. Tiras verdinhas de mesa garantida. Pelos sertões verdes se espalha, a mesma água que mata afogado, mata a sede. De céu encoberto, cheio de nuvens, que pequenos rasgo azuis aqui e acolá.
Um abraço em junho. Da violência tempestuosa à carícia da chuva no rosto, da prisão domiciliar dos abrigos à lufada de libertação benta da água dos travesseiros voadores. Abraçar junho é abraçar o próprio berço geminiano, dualidade da natureza, inclusive, a humana.