Ela é leve como as plumas que não tem, e seus olhos veem além dos nossos, através das superfícies que escondem as cores. Quem sabe, a magia que chegou às suas mãos, na tarefa de bordar o enxoval da irmã caçula, todo dia, às dezessete horas... uma cadeira na calçada, ao lado da Catedral, certamente diante do pôr do sol e seus matizes! Cumpriu essa missão com habilidade e carinho. Na escolha das linhas, o mistério das tonalidades encantou a Fada. Quando estudava na Bica (Parque Arruda Câmara), conduzia a pequena, para que a mãe se dedicasse mais ao trabalho. Entre livros e cuidados, folhas em branco e grafite na mão, surgiam árvores, retas, curvas, entrelaçadas, folhagens, horizontes percebidos ente a terra e o céu... formas perfeitas para rivalizar com a natureza.
No colégio, estudou artes, com uma freira que dominava os pincéis, e da sua bela escrivaninha de cedro, orientava a aluna interessada. Aprendeu as técnicas básicas, e fez as primeiras telas, provavelmente com aquarela e tinta acrílica. Suas asas, no entanto, estavam presas, porque só lhe era permitido copiar o modelo da aula. Mesmo assim, o fez muito bem, com pequenas nuances que diferenciavam do original, exibindo seu traço, sua personalidade singular.
Quando foi solicitada para usar sua “varinha de condão” e transformar um casamento simples em refinado, desdobrou sua criatividade para elaborar arranjos de flores secas (sempre-vivas), e iluminou a nave central da igreja, com ideias nunca antes utilizadas!
Apaixonou-se bem jovem pela filosofia, e seguiu seus caminhos do pensar, ler, contemplar...
Na sua casa, os livros se espalham à sua volta, sempre à mão, independentemente da pesquisa atual, duas bibliotecas abastecem a cultura doméstica, acervo de grandes consultas. Aí a Fada transita, lépida e feliz, fiel às suas crenças e aos seus dois grandes amores, completa seu entorno, um “orquidário de estimação”, para encantar-se entre seus perfumes.
As fadas, “figuras mitológicas, citadas desde o século I d.C., seres encantados que protegem a natureza”, exatamente o objetivo a que a Fada das Cores se dedicou, e continua a fazer, ecologista de alma e coração, e da terra protegida, descobriu a tinta natural obtida da argila.
Com esse pigmento, mergulhou na dor dos camponeses, dos sofridos operários, da opressão dos usineiros... trouxe para suas obras, a cana de açúcar, a erosão da falésia do Cabo Branco, a fase das frutas, que de tão reais estimulavam os olhos e a boca. Seguiu com as sementes, as flores de maio, até retornar à terra, com as montanhas monocromáticas e intensas.
Anos de estudo das cores, exposições nacionais e internacionais, cursos, bienais, workshops e intercâmbios. Atualmente, após uma exposição no CCBB, a decisão de escrever um livro sobre os pigmentos brasileiros, história, ocorrência, classificação... e iniciou um novo projeto de pesquisa: viajar em busca das paletas perdidas, à procura de inscrições rupestres, de argilas verdes, azuis, vermelhas, caminhando entre pedras e espinhos, trajetos que a fizeram sorrir, brincar e encher o olhar de brilho e reflexos de arco-íris.
No Vale do Catimbau, uma surpresa ao constatar a diversidade de materiais, de trilha em trilha, seguiu à disposição do seu desejo, lembrando Freud, que afirmava que as obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes! Mas essa realização foi concreta e produtiva.
A coleta de mil saquinhos de argila, que serão catalogados e identificados em vidros, tornou-se uma riqueza sem preço e a maior conquista: As imagens que ficarão presas no registro dos nossos arquivos emocionais, para nunca mais desaparecer.
A arte é o sentido do prazer, é a herança que se passa para todos, é um bem coletivo.
Voa Fada das cores, próximo destino, Cabaceiras, uma Pousada no fim do mundo, novas descobertas, coletas em terra acidentada, adrenalina a todo vapor. Nós, que não possuímos estes dons, esperamos por cada capítulo, escrito na escrivaninha da antiga professora de pintura, que conseguiu resgatar de um antiquário, aprender o poder da magia, para que marque nossa memória com a inscrição da arte e do afeto, no calcário de nossa temporalidade.