Meu pintor preferido é Gustav Klimt. Seus quadros me comovem e me arrebatam. É um gênio vienense. Viena, aliás, é um lugar profícuo ...

A banda da laranja

Meu pintor preferido é Gustav Klimt. Seus quadros me comovem e me arrebatam. É um gênio vienense. Viena, aliás, é um lugar profícuo em gênios: Wittgenstein e Freud se apontaram entre os seus habitantes. Na verdade, Klimt nasceu numa cidade perto de Viena, Baumgarten, em 1862, mas o seu palco foi mesmo a capital austríaca, onde estudou e trabalhou a maior parte da vida. Pintou maravilhas como “O beijo”, “Judith”, “A árvore da vida”, “A expectação”, “A satisfação”, “Água em movimento”, “Serpentes marinhas”, “A música”, “As três idades da mulher”, “Morte e vida”, “A esperança”, entre outros quadros encantadores. Adorava pintar mulheres. Retratou-as de todos os modos: vestidas, desnudas, provocantes, obscenas, grávidas, sedutoras, ternas. Para ele, a mulher era uma metáfora do mundo. Ele buscava traduzir a vida e seus sentimentos através das formas femininas.

"O beijo" - "Satisfação" - "Música"G. Klimt
Impossível dizer o que é melhor em Klimt. Ele está inteiro em cada obra, inclusive naquelas que não chegou a acabar, por ocasião de sua morte por derrame cerebral, em 11 de fevereiro de 1918.

Posso apenas dizer que a que mais me fascina é “Danae”, um óleo sobre tela, de 1908. É a sua interpretação particular da lenda grega segundo a qual Zeus se transformou numa chuva de ouro para copular com uma jovem. Eros e Ágape se fundem na tela, através de um erotismo sagrado em que uma suave sensualidade revela a dimensão divina e espiritual do amor.

Creio não ser adequado chamar as interações entre homem e mulher de “relações de gênero”. Melhor usar uma linguagem poética para tratar do tema.

"Morte e Vida" - "Judith"G. Klimt
O compromisso entre os sexos já foi simbolizado de muitos modos: o côncavo e o convexo, o positivo e o negativo, a espada e o cálice. Há uma iconografia muito rica sobre o feminino e o masculino presente em todas as culturas.

Desde de tempos imemoriais, a dimensão sagrada nos contatos entre mulheres e homens foi reconhecida. Alguns templos no Himalaia são ornamentados com cenas de casais fazendo sexo, pois se acreditava que, no momento do ato sexual, ocorre uma proteção divina e, desse modo, o templo também estaria protegido. O amor dos casais é que sacralizava o templo e não o contrário.

"Esperança"G. Klimt
Impressionante como na sociedade de consumo isso é diferente! Amor e sexo são mercadorias. Não me refiro somente à prostituição “ex professo”, mas sim a algo pior: a mercantilização das relações humanas pela mídia e pelo comércio. O consumismo reduz os relacionamentos a uma condição infra-humana, onde homens oferecem “amor” para obter sexo e mulheres oferecem sexo para obter “amor”. Nem verdadeiro amor, nem sexo satisfatório e saudável podem ser obtidos deste modo.

Quem trata o amor como uma guerra, acaba atraindo um guerreiro ou uma guerreira para perto de si. Quem se camufla e cria estratégias, acaba por se ver envolvido com alguém também assim.

Vinícius de Morais dizia que “a vida só se dá a quem se deu”. Sem sinceridade, confiança, respeito, fidelidade, responsabilidade e compromisso não há entrega. E sem entrega não há amor.

O amor é um privilégio que não deve ser desperdiçado com leviandades. Só um tolo atira fora algo de tanto valor.

"A Árvore da Vida"G. Klimt
Para viver um grande amor, fazendo outro recurso ao “poetinha”, é necessário, porém, estar livre de certas quimeras midiáticas que exigem perfumes caríssimos, conversíveis, viagens a Paris, roupas de grife e jóias como itens indispensáveis de qualquer romance. Nada disso é ruim, mas tampouco indispensável. Imprescindíveis são as caminhadas juntos de mãos dadas pela praia ou pelo rio, os longos diálogos no parque, contemplar o pôr-do-sol, partilhar os sonhos, olhar juntos na mesma direção…

O amor humano torna-se espiritual quando aponta para Deus. Outro não é o seu propósito. É verdade que para amar é preciso ter paciência consigo e com o outro. Ser capaz de compreender, acolher e perdoar. Exigir perfeição num relacionamento é o mesmo que desistir dele.

"Serpentes marinhas"G. Klimt
Foram os gregos que também disseram que, no início dos tempos, os seres humanos estavam unidos uns aos outros pelas costas, sendo um virado para cima e o outro para baixo. Para se movimentarem, davam cambalhotas sobre si mesmos, atingindo grandes velocidades. Estavam sempre contentes, pois cada um tinha o seu par perfeito. Tanta felicidade despertou a inveja dos deuses, que acabaram por separar todos os humanos a golpes de espada. À medida que iam sendo divididos, os pares se misturavam a uma multidão, perdendo a pista um do outro. Esta seria a lenda que explica porque os seres humanos estão sempre buscando a sua metade perdida.

Quem já viveu um pouco mais, sabe que encontrar a sua “divina escolhida”, de fato, é uma bênção celestial. Muitos não o logram. Contudo, confesso que gostei muito do pragmatismo bem humorado de um texto que li, certa vez, num jornal sindical espanhol: “Se você não encontrou a banda da sua laranja, não se desespere. Pegue uma banda de limão mesmo, passe um pouco de açúcar e aproveite a vida!”

"Danae" - Três idades da mulher"G. Klimt

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também