Há um lugar em Paris, à beira do Sena, que logo atrai quem o avista, de perto, de longe ou de carro. Fica próximo ao Louvre, precisamente na calçada do Quai des Gesvres, com diversas lojas de plantas, flores, sementes e material de jardinagem. O aconchego das frondosas árvores que abrigam aquele recanto empresta-lhe ainda mais poesia. Do outro lado da rua, o contraste entre o trottoir turístico e a modorra dos bouquinistes, guardiões de históricas preciosidades, completam a cena.
Numa tarde cheia de luz, passeando ao léu pelas margens do rio que divide a cidade, mas a une em corpo e alma, lá estávamos a percorrer a poética e ecológica alameda, cheia de vasos, cestas, flores, plantas, tudo emoldurado pelo canto dos pássaros que, infelizmente, ali também são vendidos.
Cutuquei meu amigo e lhe disse:
– Vamos ali! Sempre tive vontade de conhecer aquele lugar”.
– Que lugar?
– Ali, naquela calçada onde se vendem pássaros e flores.
– Não! Vamos não. Vamos para um lugar onde os pássaros cantam soltos, e as flores com eles não choram…
Foram-se o desejo e o encanto, mas achei que meu companheiro tinha razão.
Certo dia, já de volta, em papo agradável no salão do amigo que costumava dar uns tratos em minha calvície, sua esposa começou a contar sobre interessantes passeios que fizera com a família, em Catolé do Rocha, interior da Paraíba.
O filho, um dócil garoto chamado Pablo, com uns 11 anos de idade, que estava presente, ficou atento quando percebeu que era o personagem da história ocorrida na casa do tio, criador de passarinhos em um sítio da redondeza. Mas, não os cria soltos, como deveria, já que a terra é dele, mas, infelizmente, em cativeiro. E Pablo parece que não gostou muito de vê-los assim. Tanto é que resolveu, discretamente, soltar alguns e deliciou-se com o espetáculo.
Perto da hora do almoço, o tio volta para casa e, no meio do caminho, escuta soar lá do alto de uma árvore, cantos e melodias bem familiares. Aproximou-se e deu de cara, ou melhor, de bico com seus passarinhos no topo da copa.
Ao chegar em casa, foi direto para o viveiro e constatou algumas gaiolas vazias, de portas abertas. Lá de dentro, Pablo espiava todo desconfiado, despertando atenção do tio, que há alguns dias observou uma certa simpatia do sobrinho pelas aves. Não sabia que o interesse de Pablo não era no canto, nem na plumagem, mas no que elas secretamente lhe diziam.
Foi você? - indaga o tio.
O silêncio cabisbaixo falou mais alto que as palavras. Felizmente, a família é pacífica e não houve traumas.
Ao me contar a façanha, a mãe dele, de vez em quando, olhava sorrindo para ele, que ouvia tudo calado. Quando ela terminou, não me controlei. Levantei-me, fitei-o bem de frente e exclamei:
Pablo, parabéns! Você já ouviu falar em Leonardo Da Vinci? E ele:
- Não…
- Pois grave esse nome. Vai ouvir sobre ele na escola. Um grande homem. Basta dizer que ele costumava ir ao mercado comprar pássaros engaiolados para depois soltá-los no parque, regozijando-se intensamente com a liberdade rumo ao céu.
Pablo me olhou atento, denotando certo conforto em saber dessa história e não se sentir tão culpado por haver libertado os pássaros do tio, ainda que pelo preço de seu desgosto.
Cabelo cortado, despeço-me de todos, e já na saída, ponho a cabeça de volta na porta e digo:
- Pablo, da próxima vez, solte todos! Você será o Pablo da Vinci.