Para Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes “realizou o sonho de todo poeta: chegar ao povo sem mediação”. Carlos Drummond de Andrade pensava da mesma forma:
“Vinícius realizou a figura mais exata de poeta que já vi na minha vida [...] poeta em livro, música e poeta na vida […] foi aquele que conseguiu chegar mais perto do povo, a canção que toca todo mundo, seja classe média ou povão”.
É inquestionável que a popularização da poesia culta ou “séria” de Vinícius de Moraes se deu como decorrência da sua participação como um dos mais importantes letristas da música popular do Brasil, na condição de parceiro, em canções imortais, de Antônio Carlos Jobim, Baden Powell, Edu Lobo, Carlos Lyra, Chico Buarque, Francis Hime, Toquinho, Ary Barroso, Pixinguinha,
Vinícius de Moraes ▪ 1960 ▪ AN ▪ CC0
A relação de Vinícius de Moraes com a música começou muito cedo, como ele próprio contou:
“sou fundamentalmente um poeta e músico desde pequeno […] esse negócio de se dizer que qualquer poeta pode fazer letra de música não é verdade. O Bandeira fez, mas para músicas de caráter camerístico, de Villa-Lobos e do Ovalle. O único samba que ele fez, com o Ary Barroso, não é bom […] não sei se poetas como o Drummond e o João Cabral poderiam fazer […] E não é o meu caso, eu sou um poeta músico, a música para mim é uma necessidade tão grande quanto a poesia e isto desde menino se revelou. Eu fiz as minhas primeiras canções com os irmãos Tapajós, aos 15 anos de idade. Depois, eu dei uma esnobada na música, por problema de idade, por falta de experiência, porque eu achava que o chamado poeta de livro não podia se baixar até a canção”.
Como Vinícius ressaltou, há uma substancial diferença entre os ofícios de poeta e de letrista. Para o jornalista e escritor João Máximo:

João Máximo
“A palavra do poeta é livre. A do letrista, escrava da música. Os versos do poeta seguem por caminhos só seus, pessoais, exclusivos. Os do letrista serão tão bons quanto realizarem com a música do parceiro um casamento perfeito [...] Numa letra bem feita, a pontuação da frase literária deve obedecer à da frase melódica, e a pontuação de cada palavra, coincidir com a de cada nota musical [...] Este é um desafio que enfrentam os compositores que se entregam à tarefa de musicar poesia escrita”.
Vinícius de Moraes foi criado em um ambiente em que havia música. Nos saraus que eram realizados na sua casa, sua mãe executava músicas no piano e o seu pai e um tio tocavam violão. Vinícius, também, aprendeu a tocar corretamente o instrumento. Embora não fosse um virtuose no violão o poeta tinha os fundamentos suficientes para se aventurar na composição, ao ponto de fazer músicas “com escalas complicadas”, como disse Toquinho, o seu último parceiro.
Vinícius de Moraes e Toquinho ▪ 1970s ▪ toquinho.com.br
Curiosamente, uma das primeiras composições de Vinícius a ter grande destaque, sem nenhuma parceria, o samba-canção “Quando Tu Passas Por Mim”, foi registrada com um “parceiro”, o cronista e compositor pernambucano Antônio Maria. E Vinícius explicou o que ocorreu: “Foi um trato como se fazia muito na época, lucrativo para mim, porque o Maria era um letrista conhecido, e eu não”.
Em pé: Antonio Maria, Ary Barroso e Vinicius de Moraes ▪ Sentados: Isaac Zuchman e Paulo Mendes Campos ▪ Rio, 1950s ▪ Manchete / IMS
No cultuado disco “Canção do amor demais”, gravado pela cantora Elizeth Cardoso em 1958, com canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes — que, em duas faixas (“Chega de saudade” e “Outra vez”) o violão de João Gilberto prenunciava o movimento da bossa-nova —, Vinícius colocaria duas músicas em que ele era o único compositor e que se tornariam clássicos da canção brasileira: “Serenata do Adeus” (escrita em Paris, no seu tempo de diplomata), uma canção no estilo dos velhos seresteiros, e “Medo de Amar” na qual, segundo João Máximo, “a habilidade do letrista se soma à reconhecida musicalidade do poeta”.
Nos anos 1970, Vinícius de Moraes teria pelo menos três músicas, feitas exclusivamente por ele, que, além da excelência das composições, alcançaram, também, grande êxito popular: “Ai quem me dera”, que teve uma marcante gravação da cantora Clara Nunes, “Pela luz dos olhos teus”, que fez parte de um antológico disco de Tom Jobim e Miúcha e “Tomara” um samba delicioso gravado pelo poeta e Marília Medalha no álbum “Como dizia o poeta...”, em um período no qual Vinícius se tornara um artista de grande popularidade, fazendo shows por todo o país.
A obra de Vinícius de Moraes como compositor, sem parceiros, já o credencia como um dos principais nomes da música popular do país. Em 2013, mais de duas décadas depois do falecimento de Vinícius, a cantora Miúcha lançou, pela gravadora Biscoito Fino, o disco “Miúcha canta Vinícius & Vinícius”, com 14 músicas compostas por Vinícius de Moraes e que está disponível em plataformas de streaming.
A musicalidade de Vinícius de Moraes foi traduzida por Antônio Carlos Jobim, o seu mais destacado parceiro: “Só um indivíduo como Vinícius, que conhecia a música da palavra, teria condições de fazer as letras que fez”.