“Vandalismo” é o único poema com características simbolistas que aparece no “Eu”. Os outros o poeta deixou de lado, e os críticos hoje lhe dão razão: embora tecnicamente bem-feitos, eles pouco acrescentam à obra do paraibano. Refletem uma temática comum à época e apresentam um estoque de imagens que estão longe de caracterizar o Augusto dos Anjos que viríamos a conhecer e admirar.
O tema de “Vandalismo” é a perda da crença. É a “mágoa” subsequente ao desencanto que a descrença traz. Lembremos os versos, muito conhecidos por sinal:
Meu coração tem catedrais imensas,
templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
O soneto reflete um estado de espírito típico do final do século 19, quando as ideias científicas advindas do Positivismo ameaçavam os anseios de transcendência e espiritualidade. Augusto voltaria a tema semelhante em “A ilha de Cipango”, mas com uma dicção pré-moderna.
Por que o poeta manteve “Vandalismo” no “Eu” apesar do seu claro acento simbolista, que se evidencia no léxico raro, precioso, próximo da “estética da sugestão”? Esse léxico, afinal, está muito distante do vocabulário prosaico e “científico” que lhe permeia a obra.
Talvez a escolha tenha mesmo um valor... simbólico. Se “Monólogo de uma Sombra” antecipa alguns dos temas caros ao poeta (como a culpa melancólica, a contestação do Positivismo e a rejeição à sexualidade), “Vandalismo” é um momento de ruptura. Há também nele, graças sobretudo à força das aliterações, uma rispidez expressionista que vai se constituir numa das marcas do seu estilo. Uma rispidez que faz lembrar a “poética por estampidos” apontada por Manuel Bandeira.
A iconoclastia que o eu lírico refere no último terceiro se reforça, fonicamente, nos “gládios” e “hastas” que se “erguem” para destruir um ideal. Um ideal não religioso, mas estético, representado pela concepção da poesia como pura música, evanescência que tranquiliza o espírito.
Os versos do último terceto constituem uma antítese à estrofe imediatamente anterior, na qual se fala em “templos claros risonhos”, e soam como o anúncio de uma nova opção estética. Uma opção que fará com que no “Eu” prevaleça não a claridade, mas a Sombra. E se nele algum riso houver, será de ironia ou sarcasmo.