Ao iniciar a segunda metade do século 19, as cidades paraibanas ainda não tinham nenhuma organização urbanística, o que se pode constatar pela situação da própria capital da Província. Ao assumir, em 1858, a Presidência da Paraíba, Henrique de Beaureupaire-Rohan apresentava em relatório a situação em que encontrara a Cidade da Paraíba:
“Os arruamentos nesta cidade nunca forão nem ainda estão sujeitos a plano algum, quer em relação aos alinhamentos, quer em relação ao nivelamento; cada um edifica á sua vontade e dahi resulta esse labyrinto em que se vai sensivelmente convertendo a cidade”.
Em 1861, a capital provincial ainda tinha várias casas de palha, o que se pode deduzir por lei aprovada pela Assembleia Legislativa que estabelecia uma prorrogação de três anos “para demolição das casas de palha do recinto desta cidade”. E acrescentava que “a Camara Municipal não consentirá a edificação de novas casas e nem reparos importantes nas existentes”.
No interior da Paraíba a situação não era diferente. Durante a década de 1860, as Câmaras de várias vilas aprovaram as primeiras proposições de leis disciplinando as construções e estabelecendo posturas nos municípios e que foram confirmadas pela Assembleia Legislativa e sancionadas pelo Presidente da Província.
Em 1864, no ano em que a vila de Campina Grande passou a ser cidade, ela “formava um pequeno aglomerado humano, de pouco mais de trezentas casas, distribuídas em quatro ruas, três largos, oito becos”, conforme o relato de Elpídio de Almeida, o principal historiador dos primórdios da antiga Vila Nova da Rainha. Ainda no tempo de vila, a Câmara de Campina Grande encaminhara para aprovação pela Assembleia Legislativa uma lei que tratava da postura dos imóveis no município:
“Fica prohibida dentro das ruas da Villa de Campina Grande, a edificação e reedificação de casas, cujas frentes não sejão de tijôlo ou pedra, e tenhão menos de 20 palmos de altura, 12 as portas e 8 as janellas, com calçadas de 10 palmos de largura” [...] “Os proprietarios de casas nesta Villa ficão obrigados, até o 1º de dezembro de cada anno, a ter concertadas as suas calçadas e frentes, e estas caiadas e pintadas, e a limpar e aplainar té o meio da rua suas testadas” [...] “Ficam prohibidas desde já as empanadas nas portas e janellas, e as rotulas que abrirem para fora.”
— Lei nº 6/1860 —
Por essa época, Campina Grande era o local no qual se entrecruzavam as rotas dos tropeiros que transportavam a produção e as mercadorias do comércio da Província. Esses almocreves foram homenageados nas palavras imortais do político e poeta Raimundo Asfora
“São tropas de burros que vêm do sertão / Trazendo seus fardos de pele e algodão [...] Riqueza da terra que tanto se expande / E se hoje se chama de Campina Grande / Foi grande por eles que foram os primeiros / Ó tropas de burros / Ó velhos tropeiros”.
Na Vila Nova da Rainha, o fluxo intenso dos tropeiros conduzindo as suas tropas de burros, que ficariam como um símbolo da cidade de Campina Grande, também foi regulamentado através de lei:
“Os condutores de cargas, e almocreves, só poderão conduzir seus animaes a um de frente, e jamais emparelhados; devendo o primeiro animal da tropa trazer ao pescoço uma campanhia ou chocalho.”
Campina Grande se tornara um dos mais importantes entrepostos da Província e as feiras da vila foram, também, regulamentadas, com sua realização em data fixada (aos sábados) e em locais determinados, além de outras disposições que disciplinavam o ambiente da mercancia, tais como:— Lei nº 49/1862 —
“Ninguem poderá vender nas feiras aguardente ou qualquer outra bebida espirituosa, sem que apresente primeiro ao Fiscal licença da Camara [..] Os que fizerem vozerias ou palavras obscenas nos açougues e feiras sofrerão quarenta e oito horas de prisão [...] Os que correrem, galoparem ou equiparem a cavallo nas ruas da Villa de Campina Grande e Povoações de seu Termo nos dias de feira soffrerão a multa de 5$réis”. (Lei 62/1862)
A criação de animais na vila de Campina Grande também foi objeto da legislação:
“É prohibida nesta Villa e suas comprehensões a creação de cabras, ovelhas e porcos; assim como ter cães soltos” [...] “Exceptuão-se [...] as cabras de leite, que servirem para amamentação das crianças, as quaes deverão trazer cangas de quatro palmos e ser recolhidas ás seis horas da tarde”.
Outras vilas, como Bananeiras, também criaram as suas regras de posturas:
“Os proprietarios e inquilinos das casas desta villa e povoações do municipio, são obrigados a varrer de oito em oito dias as frentes das mesmas casas, na extenção de quarenta palmos nas ruas largas e vinte e cinco nas estreitas [...] Os mesmos proprietarios e inquilinos são obrigados a tapar os buracos, que fizerem as chuvas nas frentes de suas casas, inclusive os becos” [...] “É prohibido nos dias de feira passar pelo meio da rua carros, lotes de bestas de engenho e boiadas” [...] “É prohibido vender bebida espirituosa aos escravos sem que por elles seja apresentado bilhete de seu senhor, assignado e datado” (Lei 101/1863)
Outro assunto que começava, naquela época, a ser objeto de regulamentação municipal era o enterramento das pessoas falecidas, as inumações, como se dizia naqueles anos. Parte dos sepultamentos era, então, feito nas igrejas. Segundo o historiador João José Reis, “para os luso-brasileiros, até pelo menos a metade do Oitocentos” era indispensável ter uma cova dentro de uma igreja, mas havia “dentro delas uma geografia da morte que refletia hierarquias sociais”.
Somente em 1855, conforme escreveu Irineu Ferreira Pinto, foram construídos os primeiros cemitérios da Paraíba: inicialmente o da vila de Piancó e, em seguida, o da capital da Província. Beaurepaire-Rohan, em seu relatório de 1858, expunha a situação da Província com relação aos poucos cemitérios existentes: “Freguezias ha na provincia nas quaes ainda se fazem as inhumações nas igrejas; outras em que consistem os cemiterios em uma certa extensão de terreno sem cerco algum”. Entre os vários casos relacionados por Rohan estava a vila de Alagoa Nova, onde o cemitério estava “abandonado e servindo de pasto para os animaes”.
As exigências de salubridade levaram as vilas a proibirem os sepultamentos nas igrejas, “devendo ser em cemiterio ou campo para esse fim destinado, que seja fora do povoado, e em sepulturas bastante fundas”, como se constata na lei 42/1861 originária da vila de Cabaceiras.
Os legisladores municipais daquele tempo também se preocuparam com a proteção ao meio ambiente nas suas comunidades, mesmo sendo ainda núcleos urbanos incipientes:
Se todas essas leis editadas pelas Câmaras municipais há cerca de 160 anos, com redações simples e objetivos modestos, tivessem sido cumpridas no decorrer do tempo, certamente as vidas das cidades seria, atualmente, muito melhor.