A cena é dos anos 1950.
A Rádio Tabajara está no auge, exportando Severino Araújo, importando Pascoal Carrilho, confirmando Jackson do Pandeiro, Marlene Freire, Linduarte Noronha, Jaguaribe e Cruz das Armas descendo pelo bonde para pegar as cadeiras da frente do auditório, já tomadas pelos Falcão, Falcone, Cantalice e Arruda Melo das ruas do Centro.
Ednaldo do Egyto é adolescente de Cruz das Armas e entra no auditório da Tabajara, desvendando mistério, a fama.
A Paraíba fez noite com Agustín Lara, fez noite com Tomy Dorsey. O que a mídia traz hoje por satélite, a Tabajara e o Santa Rosa faziam sentar conosco às mesmas mesas e cadeiras.
A Rádio Tabajara está no auge, exportando Severino Araújo, importando Pascoal Carrilho, confirmando Jackson do Pandeiro, Marlene Freire, Linduarte Noronha, Jaguaribe e Cruz das Armas descendo pelo bonde para pegar as cadeiras da frente do auditório, já tomadas pelos Falcão, Falcone, Cantalice e Arruda Melo das ruas do Centro.
Ednaldo do Egyto é adolescente de Cruz das Armas e entra no auditório da Tabajara, desvendando mistério, a fama.
A Paraíba fez noite com Agustín Lara, fez noite com Tomy Dorsey. O que a mídia traz hoje por satélite, a Tabajara e o Santa Rosa faziam sentar conosco às mesmas mesas e cadeiras.
- Quem é aquele de cabelos e bigodes cheios?
- É Jorge Amado que veio ver Zé Américo!!! A fama do grande escritor baiano espairecendo pelo Ponto de Cem Réis. As calçadas cheias de aparições: Juarez Távora, Tristão de Ataíde, Juracy Magalhães, gente da mesa e das conversas de José Américo.
E aquele gordo de rosto cheio, gestos incisivos e conversa animada!
Era Paschoal Carlos Magno, trazendo estímulo e arrebanhando as vocações perdidas do interior. Muitos que o visitaram bem que que poderiam estar pontificando hoje no grande teatro brasileiro: Célio Peregrino, Waldez Silva, Raimundo Nonato, Lindaura Pedrosa, tantos, tantas.
O rapaz Ednaldo do Egyto achando tudo isto muito bonito. Bonito e difícil de entrar, de conquistar.
Como chegar até Linduarte, até Raimundo Nonato, Arlindo Delgado, Rubens Teixeira, Clênio Wanderley, os cobras e gurus de todas as artes?
Depois vem o cinema, a Paraíba inconformada com Hollywood, fazendo Cineclube, arranjando câmeras, tornando-se produtora e atriz de si mesma. É centro renovador, é marco no Cinema Novo, é citação internacional. A Paraíba em cartaz no Rio, São Paulo, em todos os cinemas e festivais. A Paraíba se indo com Paulo Pontes.
O que é isso aí, minha gente? É o campo descendo de trem, saltando de carrocerias, desaguando nas ruas para a Reforma Agrária. É uma ânsia que vem de longe, nascida de muitos recessos do teatro, das redações, do cinema, virando comício, conspiração social, liga/sindicato.
Houve uma tarde de maio, chegando a noite, em que a cidade inteira coalhou de povo. Todas as ficções escritas, gravadas e filmadas passavam a realidade. Ficção não, ideias. Ideias que começaram em pequenos auditórios, à sombra dos canteiros verdes, das salas de aula, dos grêmios, dos esconderijos, e foram virando comício, conflito, conflagração.
Houve tocaia, tiro e morte. Já não era mais teatro nem representação. Era o povo em sangue vivo: João Alfredo, João Pedro. E o grande silêncio que se impôs a partir de então. Silêncio e sombra.
- Onde estão os meninos, Ednaldo?
E o muro, um grande muro nos separando. Eu num leito de enfermo, Ednaldo na burocracia do hospital. As notícias me chegando em sapatos de algodão, sem o menor ruído para ninguém descobrir.
As pessoas mudas, todas sumidas, a Rádio Tabajara tocando dobrados e toques de silêncio.
Tudo soterrado: a Universidade, a imprensa, o corpo e a alma das pessoas. O que era representação passa a ser tragédia. Tragédia nos subterrâneos, comédia bufa e grotesca no proscênio ou na cúpula de todos os poderes.
As falas e os papéis que não foram queimados, o vento levou.
Onde estão os atores?
Todos caímos na real, uns com o mesmo rosto envelhecido, outros sem a máscara antiga, todos em outro mundo e diferentes cogitações.
Como surgindo de uma planície de sombras que, passada a tormenta, começa a iluminar-se, as pessoas ainda tontas, sem norte nem esperança, lá vem Ednaldo do Egyto juntando papéis, fotos, lembranças e apelos de um mundo que era a nossa vida e a nossa consciência. Um mundo que a gente desejava, queria e lutava através da representação. Um mundo que pode ser saudade e que também pode ser estímulo e lição.