As calçadas engarrafadas parecem que nunca terminam em dias de meio de semana. Pernas, placas, carros, passos aglomeram-se, esbarram-se, confrontam-se, esticam-se, atraem-se e desconectam-se a todo momento. São microencontros pela cidade a perder-se sem sentidos em manhãs e tardes quentes. São desencontros à procura do que nem sabe ao certo em noites de temperatura amena.
Andar a esmo revela o desassossego da mente que obriga o corpo a rotina do reencontrar-se. Desnivelados são os caminhos percorridos repetidamente que desafiam o equilíbrio dos desequilibrados. Tortos são percalços descobertos pelos pés que avançam como quem busca a si mesmo, farejam as velas que iluminariam as pedras colocadas como batalhões de passagem. Marcha cadenciada à frente, sem pestanejar, até a ordem de “Alto!”. Sempre é preciso parar um pouco para contemplar a vista.
O trajeto exige atenção. Não é o carnavalesco percurso que leva o corpo à revelia por subidas e descidas ao compasso da banda que toca sem parar, anestesia festiva, matéria desafiadora por horas de alegria gratuita. Ao contrário! É feito de pedras, buracos, aclives, defeitos, armadilhas para testar a capacidade do ser. Desatenção com a trilha pode resultar em um acidental abraço ao chão, no mínimo, um tropicão, a popularíssima “topada”.
Mais desenvolto parece estar o cão que por ali passa. Com patas ágeis avança célere, equivale da destreza do improviso para sobreviver nesse mundo... cão. Ora atento aos anônimos agressores, por vezes de rabo risinho a quem lhe oferece um afago, outras tantas apenas desconfiado, por vezes relaxado. Avança e retrai com profissionalismo, muito mais que os outros seres caminhantes.
Enquanto isso, há mais calçadas a percorrer. Tão logo após a esquina, ou em outra cidade, talvez até um coração, em busca do algodão doce, atrás da procissão, fé e paixão. O colorido é um imã que se estende por toda a povoação. Casas, muros, asfalto, são margens para a peregrinação do ser desencontrado. E mais um novo passo, curtir o casario, acertar a marcha, desenfrear a alma, seguir a seta feita de pássaros... voar a lentos compassos, a melodia das teclas do chão que piso.