Uma das palavras mais bonitas da filosofia grega é “eudaimonia”. No coração dessa palavra está o nome “Daimon”, pois “eudaimonia” é: “estar na companhia de um bom Daimon”.
Em português, “eudaimonia” significa “felicidade”. Para os gregos, felicidade não é andar sozinho, mesmo que seja numa carruagem de ouro; felicidade é andar na companhia de um “bom Daimon”, agenciado.
Na mitologia, o Daimon não mora no inacessível e aristocrático Olimpo, o Daimon mora onde houver a necessidade de uma travessia, pois ele é a divindade dos caminhos, sobretudo dos caminhos que urgem ser criados quando precisamos atravessar desertos, escapar de labirintos ou transpassar rochedos.
Para os gregos, a felicidade não é propriedade egoica de um indivíduo, a felicidade é agenciamento coletivo: impossível o indivíduo ser feliz se a pólis está triste, tampouco pode o indivíduo ter saúde com a pólis doente.
Mas o Daimon só nos faz companhia se aprendermos a ser companhia. Nietzsche diz que certa vez um Daimon soprou esta lição em seu ouvido: “Odeio tanto seguir como ser seguido: para me acompanhar aonde vou, é preciso aprender a amar andar ao lado”.
“Companhia” vem de “com-panis”. E “panis” é, em português, “pão”. Assim, fazer companhia é saber “dividir o pão”. Companheiros: “aqueles que dividem o pão”.
Há o pão que alimenta o corpo, como aquele que faltou ao povo e trouxe o sofrimento da fome. A elitista Maria Antonieta, zombando, disse: “Não têm pão? Que comam brioches!”
Quando um povo não aceita ser rebanho de Marias Antonietas de ontem e de hoje, nasce nele a fome por outro pão: o pão da dignidade e da justiça, pão que tem o fermento da arte, da educação e da poesia, pão que alimenta a luta contra as tiranias.
No livro “1984”, George Orwell diz que uma das táticas do poder tirano é apagar certas palavras, para assim tentar apagar também da realidade seu sentido e prática.
Parece estar acontecendo isso com a palavra “trabalhador”, que o poder do Capital tenta apagar colocando no lugar “colaborador”, isto é, colaborador do Capital ou “empreendedor”.
Com isso, propaga-se a ideologia de que o outro não é um companheiro, mas um “competidor”.
Neste mês de maio, em que se comemora o “Dia do Trabalhador”, o filme “Pão e Rosas”, de Ken Loach, é uma boa dica para inspirar nossas necessárias e urgentes lutas pelos dois pães, pois o título do filme também poderia ser: “Pão e Arte”, “Pão e Educação”, “Pão e Poesia”.