Ninguém saberá responder onde fica o Edifício Presidente João Pessoa. Nem mesmo o mais antigo morador da Cidade. Mas o Dezoito Andares... A grande verdade é que todo mundo concorda num ponto: é o prédio mais charmoso da cidade ou “o condomínio mais antigo da capital”, como constava no papel timbrado da administração. Outra unanimidade: é uma das coberturas mais deslumbrantes do litoral, com uma visão de 360º que deixa de queixo caído até os que já conheceram a Torre Eiffel.
Os historiadores dirão que é um endereço nobre: Rua Nova, atual General Osório, esquina com a Ladeira dos Pedroza, que também já foi Ladeira da Carioca, até se juntar ao Beco da Misericórdia para receber a nova denominação: Peregrino de Carvalho.
Os historiadores dirão que é um endereço nobre: Rua Nova, atual General Osório, esquina com a Ladeira dos Pedroza, que também já foi Ladeira da Carioca, até se juntar ao Beco da Misericórdia para receber a nova denominação: Peregrino de Carvalho.
Acho que foi exatamente esse ponto da Capital que encantou o carioca Ulysses Petrônio Burlamaqui, um dos integrantes do movimento da moderna arquitetura brasileira, quando, contratado pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários-IAPB, em 1957, sobrevoou a cidade para definir o local da “primeira experiência de habitação multifamiliar em altura da cidade de João Pessoa”.
Gostaria de ter conhecido o Dr. Burlamaqui, não pelo fato de alguns dizerem que ele era um “típico playboy carioca dos anos dourados; homem bonito, culto, extremamente elegante”. Gostaria de estar ao lado dele, no teco-teco fretado ao Aeroclube, para ver o que ele sentiu no momento da escolha desse lugar.
Quem mora no Dezoito Andares logo fica convencido do seguinte: o arquiteto construiu camarotes para que as pessoas, ocupando ambientes confortáveis e ventilados, pudessem contemplar tranquilamente uma bela paisagem. Paisagem que, como um caleidoscópio, nunca cansa, nunca cai em monotonia, porque muda de acordo com as variações do tempo e da luz. Já na entrada do apartamento, ele colocou uma parede fora de esquadro para que ao abrir a porta o morador já pudesse sentir, em panorâmica, o forte impacto do visual extraordinário.
Dr. Ulysses Burlamaqui foi mais fundo na sua viagem: empilhou 48 apartamentos, vazados na frente e nos fundos (o vazamento é total na frente), solução que traz para dentro dos imóveis a paisagem exterior, formando imensos painéis, o que deixa os moradores com a sensação de que vivem pisando nas nuvens. Avançou mais em seu sonho: fez as varandas com as mesmas dimensões, quase 20 metros quadrados. A paisagem foi, digamos, democratizada, talvez para que todos pudessem curtir igualmente o pôr do sol e a lua cheia.
Não jogou a dependência de empregada em uma sobra de espaço qualquer. Traçou cuidadosamente os aposentos da empregada, que são amplos, agradáveis, com total e absoluta privacidade, e acesso exclusivo. Há outras “bossas” no prédio. Aliás, é um projeto cheio de “bossas” que o fato de não ser do ramo não me permite identificar cada uma delas, mas apenas sentir os seus efeitos benéficos, como, por exemplo, escadarias largas, com pouquíssima inclinação e degraus espaçosos, onde as pessoas podem subir e descer, conversando ou conduzindo volumes, tranquilamente. A área de lazer é um enorme tapete entre a plataforma e o setor residencial. O elevador serve simultaneamente a dois pavimentos, reduzindo o consumo de energia, o desgaste do próprio equipamento, e fazendo com que as pessoas, mesmo as mais velhas, possam se exercitar sem g rande esforço físico. Tudo isso sobre pilotis e aproveitando inteligentemente o declive da antiga Ladeira da Carioca. Isso nos anos 1950!!!
Meu AP tinha sala, dois quartos (um dos quartos eu usava como uma espécie de escritório, onde ficavam estante de livros, mesa e computador); WC social, cozinha, área de serviço, dependência completa de empregada e varanda. Tudo muito amplo e com muita altura.
O que permanece uma incógnita é o destino da garagem, mistério que até hoje não foi desvendado. Sabe-se apenas que existe ampla área ociosa, dando para a Praça Aristides Lobo, sobre a qual o condomínio não teria mais nenhuma ingerência, e tanto o Patrimônio da União como a Prefeitura ainda não chegaram a um acordo sobre a sua utilização.
Torci o nariz quando me ofereceram um apartamento nesse prédio de tantas histórias, alegres e trágicas, como tudo na vida. Enfrentei o samba de uma nota só dos agentes do mercado imobiliário: “'Seu' Petrônio, vá para a orla. O centro acabou-se, virou um lixão.” Acontece que vim conhecer a futura residência ao pôr do sol. Não resisti.
Sem exagero, posso dizer que sonhava acordado no 9º andar. Deitado em minha cama via o Sanhauá – rio triste, que, segundo João Lelys de Luna Freire, “parece estar sempre indo à procura de alguém distante...” O contraponto é feito pelas garças. Numerosas, se exibem cheias de juventude, como as meninas do antigo Colégio das Neves. Vagueiam em bandos ou solitárias. São lençóis brancos, esvoaçantes, sobre o casario e o manguezal. Às vezes pensava que eram anjos enviados por Deus para limpar, todos os dias, a sujeira do esquecido Varadouro, numa espécie de protesto pacífico contra a omissão dos homens.
Menino do centro, no “ocaso da vida”, achei que aquele lugar seria o refúgio ideal para viver as minhas doces lembranças, porque me sentia protegido pelos meus mortos, criaturas que tinham a maior intimidade com as ruas, praças, becos e ladeiras das cercanias do prédio.
No final de 2006, começo de 2007, ainda consegui “resistir” por pouco mais de 4 meses no Dezoito Andares. Acabei jogando a toalha, me dobrando à realidade. O prédio já vivia uma situação de decadência e a tal “revitalização” do Centro Histórico, canoa em que embarquei com um entusiasmo juvenil, só existia no papo dos “culturais” e dos políticos.
As poluições sonora e do ar, no centro da Capital, e a enorme sensação de insegurança me fizeram vender o imóvel apressadamente e me mudar para a orla marítima, onde, aliviado, vejo que “saltei uma fogueira”.
NOTA - O projeto do “Dezoito Andares” foi aprovado pela Prefeitura em dezembro de 1957, sendo as obras iniciadas por uma construtora francesa no ano seguinte e concluídas por volta de 1962.