Quem seria tão impoluta figura? Temos primeiro que apresentá-lo para só depois irmos ao causo. Vamos lá. Embora houvesse se tornado um homenzarrão alto e forte como um búfalo, por ser filho de um tal de Geraldo e xará do pai nos cartórios e na pia de batismo, natural que quando pequenino fosse tratado no diminutivo. Ficou sendo o Geraldinho e por força do hábito dos mais próximos, cresceu Geraldinho e Geraldinho ficou. O apodo fixado ao nome é fácil de explicar. Pensem um homem sossegado. Mais que Geraldinho? Impossível! Foi daí que veio o apelido. Diziam as más línguas que puséssemos Geraldinho tomando conta de dois jabutis, pelo menos um deles iria fugir. É essa a provável causa do apelido. Pelo menos é o que penso. Agora o causo.
Aquele rio que nasce da confluência do Paraibuna e do Paraitinga é o Paraíba do Sul. Atravessa um pedaço do estado de São Paulo e desagua no norte do estado do Rio de Janeiro. Até a metade do século passado era um rio caudaloso quando não havia represas hidroelétricas que hoje também controlam o regime de suas águas. Muita gente foi falar com Deus ao tentar atravessá-lo a nado. Era perigoso e devorador de gente. Tornou-se atualmente um rio tímido, estreitou o seu leito e hoje não põe mais medo a ninguém. Em suas águas, lá nos “antigamente”, não era incomum se fisgar dourados de mais de três quilos. Isso além dos mandis (o açu e o chorão), lambaris, bagres e também as traíras que se escondiam entre as raízes dos aguapés (aqui chamamos essa planta aquática de baronesa) que eram endêmicas em algumas das concavidades de seus meandros. Nesse rio, entre Caçapava e Taubaté, é que se deu o ocorrido.
Geraldinho tinha a bossa de pescar, atividade que não exige pressa, ao contrário, requer paciência das mais obstinadas. Gente ansiosa, apressada, não nasceu para pescar. Já Geraldinho.... Ia me esquecendo de dizer que esse nosso amigo morava na zona rural entre essas duas localidades citadas linhas atrás. Um dia pegou suas tralhas e foi para a barranca do Paraíba pescar seus mandis, quem sabe um dourado daqueles. Quem sabe? Foi cedinho quando o rio ainda vomitava sua neblina espessa dos primeiros dias de primavera. Até que, sem mais e nem menos, apareceu um hominho todo choroso dizendo que não valia a pena viver. Reclamou que mulher fugira com outro, que estava desempregado, etc, etc. Enfim, viver não tinha mais sentido para ele. E se atirou no rio.
Geraldinho, que era homem de boa alma e corajoso também (eu me esquecera de mencionar esses detalhes importantes), pulou atrás, pegou o baixinho pelo cangote e trouxe o pobre para fora do perigo. Eu deu uma esculhambação no infeliz.
— Que porcaria de homem é você? Tentar se matar por causa de mulher. Onde já se viu? Mulher, meu amigo, é como trem, uma vai e outra vem – e foi tirando sua camisa mais as botinas para secarem.
Quando ia retomar sua pescaria, não é o baixinho se atirou novamente naquelas águas mortais. Ali o rio não dava pé. Mas Geraldinho não queria que o baixinho morresse e mergulhou até que o pegou novamente pelo cachaço e o trouxe novamente às barrancas.
Deu uns tabefes no infeliz e todo cheio de autoridade, foi dizendo:
— Aqui nesse meu pedaço de rio, ninguém morre afogado. O senhor trate de cuidar da vida que Deus lhe deu. Nossas vidas só Ele pode tirar.
O baixinho derramou umas lágrimas, agradeceu as palavras e prometeu que não ia mais fazer aquilo. Então, nosso Geraldinho se despiu da brabeza, da coragem e voltou ao Geraldinho que conhecemos. Acendeu seu cigarrinho de palha, colocou minhoca no anzol e se internou naquele seu mundinho onde pressa era algo que não existia.
As horas foram correndo. Lá pelas tantas desembrulhou seu pacotinho que guardava um pão com sardinha e comeu aquela gororoba como se fosse um príncipe. Pescou uns mandis, algumas traíras. Já pelo meio da tarde ouviu sirene e percebeu dois carros de polícia chegando. Nem se incomodou continuou atento à vara de pesca e pitando seu cigarrinho. Os policiais desceram das viaturas e um sargento foi logo perguntando:
— O senhor está aqui faz tempo?
— Desde bem cedinho.
— Recebemos a denúncia e corremos até aqui. O senhor não viu aquele homem se enforcando no pé de ingá?
— Deus do céu. Não é que ele se matou mesmo. Eu vi ele subindo na árvore, mas pensei que era pra se secar.