Aos programadores musicais da extinta Rádio Arapuan AM, Gomes Filho, Arnaldo Soares e Waldemar Paulo
Esses programas policiais, no rádio e na televisão, de manhã, de tarde e de noite, exatamente na hora de café da manhã, do almoço e do jantar, arrastam todo mundo para o clima pavoroso do lado mais sórdido da sociedade.
Por falta de opção, a população adquiriu o hábito de sintonizar esse tipo de programa, sendo envolvida por uma atmosfera violenta, aterrorizante, desde as primeiras horas do dia. Resultado: Quem ainda está na cama, meio sonolento, se imagina na Ucrânia. Quem já está acordado, fica com receio de pegar o ônibus para o trabalho ou ir à escola.
Louco por rádio, eu tinha um carinho todo especial pelos programadores musicais, gente bacana, sensível, que fazia um trabalho semelhante ao de provador de vinho. Era o tempo da delicadeza. Eles recebiam o lançamento, ouviam o disco todo, calmamente, várias vezes, e elegiam as faixas que seriam servidas ao ouvinte.
Eram pessoas sem nenhuma formação acadêmica, mas que conheciam profundamente os movimentos, estilos, escolas, tendências, fenômenos, vida e obra dos grandes cantores e cantoras nacionais e internacionais, e, acima de tudo, gostavam muito de música e do trabalho que faziam.
A escolha deles poderia coincidir com a “faixa de trabalho”, indicada pela gravadora, mas as músicas que a rádio tocaria seriam aquelas selecionadas pela sensibilidade e pela experiência dos seus programadores.
A prática possibilitava a diferença entre uma emissora e outra. Não era uma coisa massificada, uniformizada, padronizada, globalizada, como é hoje, quando todos seguem a mesmo “play-list” e tocam as mesmas músicas, a toda hora, todo instante.
A rádio tocava a música do seu programador, que, por sua vez, tinha como princípio básico colocar a música certa na hora certa. A emissora disputava a preferência do ouvinte também fazendo a diferença na sua programação musical. Obviamente, isso era feito no tempo em que as rádios eram verdadeiramente emissoras, e não receptoras de tudo o que vem de fora...
Se a rádio permanecia 24 horas no ar, o começo da manhã, o finalzinho da tarde, a noite e a madrugada eram momentos especiais. Não era toda música que tocava. Não era todo tipo de programa que ia ao ar.
Nesses horários, normalmente, o ouvinte era brindado com belos musicais, produzidos com muito carinho, apresentados por uma locução impecável, carismática, serena, civilizada. O noticiário era sóbrio e bastante atualizado. Havia uma Central de Notícias que era só vibração e não deixava a peteca cair.
Programa policial nos primeiros raios de Sol e ao cair da tarde? Nem pensar! O objetivo, claro, era fazer com que o ouvinte acordasse atualizado, mas, ao mesmo tempo, que ele se preparasse para a jornada de trabalho em alto-astral, dentro de um clima suave, tranquilo, e fosse dormir no mesmo diapasão, docemente embalado pela sua emissora do peito.
Mas os tempos são outros. Avançamos em tecnologia e perdemos a sensibilidade humana, a sutileza, a transcendência. E uma das grandes vítimas desse processo foi o rádio e a TV aberta, até porque as concessões começaram a ir somente para os políticos e seus testas de ferro, fazendo com que o pessoal do ramo – patrões e empregados, criaturas realmente vocacionadas, fossem, de uma hora para outra, expelidos do meio.
O rádio hoje em dia não passa de mero instrumento de massificação e controle social. É uma arma apontada contra o ouvinte; ora palanque eletrônico, ora caixa registradora. Foram pro beleléu os ideais dos pioneiros, que tinham o rádio como instrumento de “promoção humana e social das massas” e de “elevação do espírito crítico do ouvinte”. Isso explicaria, de certa forma, o atual predomínio das pautas de polícia, política, futebol e pseudorreligiões na programação das emissoras de rádio e TV.
Uma coisa, porém, é certa: despertar o ouvinte com o locutor aos berros, lendo boletins do movimento policial da madrugada, normalmente “releases” dos órgãos de segurança, ao som nervoso, irritante, das sirenes de polícia, é, no mínimo, um jeito bizarro de fazer rádio.
Cá pra nós, é muita modernidade pro meu gosto. Depois se queixam do aumento da violência...