I
A existência deste objeto justifica minha narrativa. É um vaso de bordas pretas bordado de cores por todos os lados. Este vaso é uma ilha que me persegue. Estou ilhado. Daqui para adiante é recolher os restos que sobraram do meu processo de desertificação e seguir. Pego as folhas secas, interrogações e interrogatórios. Símbolos atemporais guardados na gaveta me acompanham na ocupação do solo.
Gosto das cores pálidas onde contemplo as subversões do dia. As cores amanheceram fortes e ficaram frias à medida que as ideias fugiram do palato. A língua queimando de ansiedade por mais um pouco de atrevimento e o texto percorre todos os estágios da arte. Volto a olhar o vaso, tamanha a complexidade de discursos que ele carrega. Provocado, o vaso se rompe e escapam-lhe os segredos.
Estava guardado ali um pouco de mim. Sábado contei-lhe a falta que sinto de sentir falta de abraçar a complexa concepção de amor com quem me casei há dez anos. O amor da minha vida estava na fotografia redesenhada em quatro partes após aquela briga. A imagem do nosso primeiro jantar foi fragmentada, o modo mais original e menos agressivo de ver dois corpos prejudicados. O vaso era meu repositório de memórias.
II
Aquela exposição de segredos sem finalidade me incomodava. Diálogos mal formatados, incompletude de linguagens impulsivas e tensões gratuitas. Tudo aninhado ali. O que nunca contei a ninguém agora me escapava, sem permissão. O vazio ininterrupto ganhando dimensões dentro daquele objeto. O deserto ali presente era meu desespero. Quem mais saberia de minha vida íntima?
Não sou de contar segredos. Se saem da gente quando perdemos uma das sete chaves, ganham o mundo e não temos o controle de nossas vidas. Não tenho mais um segredo para chamar de meu- é o que sinto ao olhar para o vaso. Um segredo a menos e a sorte está lançada. São palpites à maneira de um leilão e disputa-se uma chance para dar opinião. Quem dá mais?
Ontem eu li que a arte nos leva a conhecer pelo filtro do sentimento. Vem daí seu potencial regenerador. Eis aqui a minha salvação. Quem olhar para o vaso e ver meu segredo expandido, tenha piedade. Meus leitores têm sentimentos, então não terei julgamento. O leitor me conhece por meio da arte. Consegue me ver por meio do sentimento. Prometo ao meu leitor e às minhas leitoras tentar me regenerar. Dessa forma, penso que não precisarei mais acumular tantos segredos.