Por volta de 1820, Portugal vivia uma grave crise econômica. Havia treze anos que a Corte portuguesa se transferira para o Brasil, fugindo dos exércitos de Napoleão. Desde então, a colônia americana ocupava, cada vez mais, um papel central na administração lusitana. Em agosto de 1820, setores do comércio e do governo, em Portugal, sentindo-se prejudicados com o fato de serem comandados a partir de uma colônia, iniciaram, na cidade do Porto,
um movimento revoltoso que acabaria tendo um papel importante na Independência do Brasil.
Para o historiador José Honório Rodrigues, a revolta, apesar de ter ficado conhecida como “Revolução do Porto”, “não foi uma revolução [...] não teve caráter popular [...] Foi um golpe da burguesia portuguesa promovido pelos negociantes, fomentado pela Maçonaria e pelas ideias liberais [...] Uma das maiores queixas portuguesas era estar Portugal reduzido à situação de colônia de uma colônia, o que excitava o ódio contra o Brasil, os brasileiros e a própria Família Real refugiada no Rio de Janeiro”.
As principais reivindicações da rebelião — que se tornou vitoriosa e instalou um governo em Lisboa — eram o imediato retorno a Portugal do rei D. João VI e a convocação de uma Assembleia dos representantes de todas as possessões portuguesas para a elaboração de uma Constituição a ser adotada em todas as partes do Reino.
A Assembleia Constituinte, que tinha o nome de Cortes, foi instalada em janeiro de 1821. A Paraíba elegeu quatro representantes, mas somente dois foram a Portugal, tendo deixado o Brasil dez meses depois que a Assembleia havia iniciado. Para José Honório Rodrigues, “participar do Congresso já era uma farsa, pois os brasileiros seriam incapazes de vencer a maioria metropolitana [...] Da abertura das Cortes até a chegada dos primeiros deputados brasileiros, os de Pernambuco, em agosto do mesmo ano, os portugueses legislaram à vontade sobre o Brasil ou contra o Brasil”.
Um deputado se destacava na representação brasileira pela contestação às decisões que estavam sendo tomadas pelas Cortes com o objetivo de anular a autonomia conquistada pelo Brasil com a instalação da sede do Reino no Rio de Janeiro. Era o baiano Cipriano José Barata de Almeida. Cipriano Barata, como era conhecido, médico formado em Coimbra, chegou às Cortes já sexagenário, mas com um passado de participações na revolta de 1798, na Bahia, e no movimento de 1817.
Além da sua aguerrida presença na tribuna das Cortes, Cipriano Barata chamava a atenção dos portugueses pela sua figura incomum. Segundo o historiador Otávio Tarquínio de Souza, Barata era magro, baixinho e com a cabeleira comprida e na Bahia “ostentava nas ruas um espadão de tiracolo e um cinto de pistolas, à maneira sertaneja”. Ao chegar a Portugal, “timbrava em ser brasileiro não só nas reivindicações, nos sentimentos, na fala, mas na indumentária e na dieta. Afrontando o ridículo, transitava naquela Lisboa cheia de influências francesas e inglesas com roupas de algodão tecido no Brasil, sapatos de bezerro sem tinta, chapéu de palha e um tosco bengalão”.
As posições tomadas por Cipriano Barata e por alguns outros deputados brasileiros provocaram grande animosidade dos portugueses contra eles. Inconformados com os resultados da Assembleia e para evitar que fossem obrigados a assinar e jurar a Constituição, Cipriano Barata e outros seis deputados tiveram que fugir de Lisboa a bordo de um navio inglês. Após um breve período na Inglaterra, Cipriano Barata retornou ao Brasil. Impedido de desembarcar na Bahia, que estava ocupada por forças portuguesas, Barata foi para Pernambuco.
Logo depois de chegar ao Recife, Barata começou a publicar um pequeno jornal denominado “Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco”, nome que, com algumas variações, ele utilizaria em outros locais. O “Sentinela da Liberdade” era escrito inteiramente por Cipriano Barata e as duas edições semanais do pasquim eram disputadas por leitores fiéis, que saíam a reproduzir as frases incendiárias publicadas pelo jornalista e agitador político. Numa época em que, no Brasil, havia meia dúzia de publicações periódicas, era grande o impacto causado pelo panfleto.
Na vizinha província da Paraíba, havia inúmeros admiradores e leitores do jornal de Cipriano Barata, o que pode ser constatado por uma carta publicada por ele na edição do dia 17 de agosto de 1823. A carta/manifesto, datada de 12 de junho daquele ano, fora enviada da Vila Real do Brejo de Areia e tinha uma característica inusitada: era assinada por 100 mulheres moradoras daquele município paraibano, as quais defendiam a consolidação da Independência do Brasil.
Na época, a participação das mulheres nos debates e assuntos políticos não era comum, conforme relato da inglesa Maria Graham em anotação aposta no seu Diário, naquele mesmo mês de agosto de 1823, registrando o impedimento que havia para que as mulheres assistissem às sessões da Assembleia Constituinte que funcionava no Rio de Janeiro.
Na edição do “Sentinela da Liberdade” em que foi publicado o Manifesto das Mulheres de Areia, Cipriano Barata escreveu:
“As Heroínas do Brejo de Areia, conhecendo seus inalienáveis direitos, e resolutas a defender sua Liberdade; movidas ao mesmo tempo do Santo Entusiasmo do amor da pátria [...] Aquelas Nobilíssimas Matronas remeteram-me seguinte Carta com 100 assinaturas, que transcrevo palavra por palavra: o público deve admirar não a existência da Epístola, mas a veracidade da deliberação”.
Do manifesto das Mulheres de Areia se extrai esse trecho:
“Nós, posto que conheçamos a fraqueza do nosso Sexo, contudo não cedemos nem em valor, nem em Patriotismo, ao mais intrépido e Guerreiro Cidadão: pois estamos na firme resolução (se preciso for) de unidas aos nossos Esposos, Pais, Filhos e Irmãos lançarmos mão das Armas e fazermos a mais cruenta guerra aos acérrimos Sectários do nefando Despotismo.”
O episódio do manifesto das mulheres da vila do Brejo de Areia é mencionado de forma superficial e sem qualquer destaque na obra “História das Mulheres no Brasil”, organizada pela historiadora Mary Del Priore. O texto se refere apenas a “mulheres paraibanas [...] que estavam a par das ideias europeias sobre a posição da mulher na sociedade e de suas reivindicações de igualdade”. Mas, certamente, pode-se considerar essa carta/manifesto, redigida em uma pequena vila da Província da Paraíba e publicada no jornal “Sentinela da Liberdade”, como a primeira manifestação política coletiva, devidamente documentada, das mulheres brasileiras.
No mês seguinte, em setembro de 1823, mirando-se no exemplo das Mulheres de Areia (parafraseando as palavras de Chico Buarque em Mulheres de Atenas ), vinte e uma moradoras do Rio de Santa Rosa (atual cidade de Barra de Santa Rosa) enviaram, também, o seu manifesto para o jornal de Cipriano Barata, que o publicou com o seguinte comentário:
“Esta Carta dirigida pelo entusiasmo patriótico serve para mais uma prova da unidade de Sentimentos da Província da Paraíba: onde as ilustres Donas estão possuídas da mesma nobreza de sentimentos e valor de seus Esposos, Pais, Irmãos e parentes: honra e louvores mil pertencem a todas as Senhoras Paraibanas: vivam as imortais Espartanas valerosas da Paraíba: vivam, vivam”.
Essas manifestações das mulheres das vilas paraibanas do Brejo de Areia e do Rio de Santa Rosa são praticamente esquecidas na história das lutas pela emancipação das mulheres brasileiras e nem são referidas nas narrativas dos episódios do movimento da Independência do Brasil.