Manhã logo cedo, ao cheiro da brisa, marulho suave soando ao longe, eis que as frutas convidam ao sabor. O mamão já maduro denota na casca alguns dos vestígios que o tempo lhe imprime. A primeira impressão é de rejeição. A casca engelhada, a pele enrugada, da fruta ou do rosto, podem causar surpresa ou desgosto.
Mas ledo é o engano. As marcas do tempo também são alento à compreensão de que este fenômeno é tão grandioso, em todas as formas de vida ou de morte. E o que é a morte, senão a passagem, a transformação que ora observo? Na mão, o mamão, que agora descasco, revela o mistério nas muitas sementes que são outro exemplo da vida em percurso. E dessa lição, outra visão passamos a ter daquilo que está sempre a mudar.
Depois veio a manga, cheirosa e madura, que pude sorver entusiasmado de amor e prazer. Por fim seu caroço, coberto de fibras que eu as sugava com todo ardor. Sentindo-o nas mãos, olhei encantado. Vendo que ali, naquela semente, havia uma árvore, inteira e frondosa, pronta a nascer e depois florescer. E assim percorrer os turnos da vida, tal é a Lei.
Assim como as fibras que eu degustava seguiam seu curso, rumo a meu sangue, com os nutrientes que se mudariam em pele, cabelo e todas células. Tão quanto a energia vital que emanava daquele vigor em meio ao sabor.
Refeito do instante, então matinal, de gosto frugal, descerro a cortina e abro a janela. No meio do mato, avisto, surpreso, as flores do cacto que brilham amarelas ao lado de espinhos. E eis que aparece no belo cenário um beija-flor, pronto a beber do néctar em flor. Se arrisca no beijo, sem medo algum, suave e feliz, voa dançando aqui e acolá.
Então os espinhos, que ali expressavam um certo temor, assim como a casca daquele mamão passado na mão, mostravam agora que tudo é perfeito quando é percebido com o mais puro amor.