Mas que coisa absurda
que proposta indecente
não sabes que eu sou gente
com presente e passado?
Para ficar ao teu lado
queres um mata-borrão
que te absorva inteiro
tua tinta e teu tinteiro…
Agradeço o que vivi
meu passado me orgulha
não trago arrependimentos
não sinto culpa ou tortura
vivi momentos de festa
de algaravia pueril
mas também horas de angústia
daí forjei meu perfil
com as lágrimas, reguei rosas
e com garras me agarrei
aos meus filhos pequeninos
que tinham a mim como um rei
Arrimei-me nos meus sonhos
convicções, sentimentos
do que vivi, não lamento
fazem já parte de mim
confiei em meus amigos
e na minha genitora
que me cuidou com bravura
como boa educadora
minha colcha de retalhos
foi costurada com fios
de ouro e prata e os brocados
me aqueceram de ternura!
Esquece, vamos partir
para outras cercanias
despeço-me de teus olhos
teu domínio me angustia
uma hora é só prazer
noutra desprezo, apatia
Ao meu pai, Antônio Fernandes de Farias. In memorian (que me ensinou a semear flores). Carrego flores no bolso para semear ternura distribuir aos passantes aos que pernoitam nas ruas aos indigentes drogados aos bêbados fugindo da dor aos que vivem nos sinais pedindo moeda e pão recebendo azedume indiferença secura desprezo e desamor. Carrego flores nos bolsos Um olhar e um sorriso para quem é invisível nas ruas e praças do bairro pode ser o paraíso. Alguns dizem que é loucura loucura é a avareza de bens, talento ou olhar Ignorando a pobreza quem não sabe dividir desconhece o alívio nos dias em que a dor decepções e conflitos cobrem-nos de medo e torpor sem forças para um grito. É quando chega o alento de outros com as sementes das flores distribuídas quais abelhas reluzentes pousam em nosso chão acre e contentes polinizam. Por isso sempre as carrego nos bolsos, ou nas minhas mãos planto aqui, planto acolá no brejo e no sertão na seca do Ceará no calor de Cuiabá como açaí no Pará lambendo os dedos das mãos mas jamais deixo as flores secarem em meu coração!
Por onde passares, que deixes rastros de flores Que sejas a primavera, no inverno dos companheiros. Por onde andares, que sintam a tua falta Por deixares teu perfume no olfato de quem fica por deixares as sementes das árvores que frutificam por deixares as palavras, que elevam e edificam. Por onde passares, que deixes ensinamentos que bafejes feito o vento visitando os pomares acalmando os bravos mares nos corações dos doentes das almas em desalinho que deixes em seus caminhos as lições da calmaria das palavras que aliviam o desespero das gentes. Por onde passares, que teus passos sejam firmes como o samaritano não importando tua origem ajuda aos que te agridem com o perdão e o silêncio. Um dia todo tormento transforma-se em lenitivo trazendo lições que o tempo grande mestre da alquimia transmute em alegrias.
Quando ela catava conchas na praia esquecia do tempo, da agenda na mesa do escritório, do cuidado das crianças, da louça para lavar... Quando ela catava conchas na praia, sabia que podia contar com sua generosa mãe, com seus olhos e coração atentos, na direção deles. Sabia que podia contar com sua secretária, verificando seus prazos, agendando seus inúmeros compromissos. Sabia, que ao retornar, a pia estaria limpa, a comida pronta, feita por uma maravilhosa alquimista: sua genitora, amiga e cúmplice. Quando ela catava conchas no mar, encontrava algumas estrelas, e as devolvia para seu habitar. Encontrava sargaços e brincava com eles, embaraçando e massageando seus pés, Sentia cada cristal de areia, cada textura, a temperatura da água a depender do lugar Encontrava os pescadores, arrastando suas pesadas redes, e lembrava de Caymme, cantando os mares da Bahia de Todos os Santos. Lembrava de Porto Seguro, Arraial d'Ajuda, e Trancoso, quando precisava fugir das dores, decepções e confusão mental, a que era submetida. Encontrava os nativos, travando conversas amenas, acariciando seu coração, ansiando por paz. Encontrava pedras porosas e seixos, mas não as atirava ao mar, como fazia Victor Hugo. quando as dores e preocupações o assaltavam. Encontrava consigo, voltava ao seu centro, e aprendia com o mar a lição das marés.