No esfacelamento da União Soviética, 1991, o historiador Eric Hobsbawm põe o fim do século XX. Não à toa, ele chamou o período 1914-1991 de Era dos Extremos, pois nele se experimentou de tudo: de revoluções a independências de colônias; de ascensões e quedas de ditaduras de esquerda e de direita a duas guerras mundiais; de pandemias a criação e utilização de armas até então jamais imaginadas; de genocídios a viagens espaciais — tudo enquanto se consumia drogas de todo tipo e o ser humano chegava à superpopulação, causando desertificação, poluição, aquecimento global, enquanto — como resposta — libertava a mulher do próprio útero, o PIB mundial per capita se quintuplicava - num crescimento econômico maior do que o obtido em todos
os séculos anteriores juntos — e criavam-se o computador e a Internet.
As artes não deixaram por menos. Depois do impressionismo vieram expressionismo, cubismo, abstracionismo, fovismo, tachismo, simbolismo, surrealismo — ismos de todo tipo - mais a Op e Pop Art, o Expressionismo Abstrato, a Arte Conceitual, a Arte Povera, o Minimalismo, Body Art, Internet Art, Street Art, Land Art, Arte Abjeta etc, e Malevich — com seu suprematismo — pintou o Branco no Branco. O hiper-realismo levou a reprodução da realidade às últimas consequências com Richard Estes. Houve um concerto — o 4'33" (Quatro Minutos e Trinta e Três Segundos) — em que o solista cruzou os braços ante o instrumento durante esse lapso de tempo. Andy Wharol fez um filme — Empire - com oito horas e cinco minutos de filmagem do edifício novaiorquino — rodado de um só ângulo e em tempo real. Beckett fez para o teatro seus Atos Sem Palavras. Calder criou esculturas móveis. E aí o inesperado e o feito à tapa (além do não-feito) passaram a substituir a clássica e esperada superação mestre-discípulo, tipo Verrocchio/Leonardo, Perugino/Rafael, Cimabue/Giotto.
Novidade! Novidade a qualquer custo!
Não por acaso, Mário Pedrosa lançou em 86 seu volume “Mundo, Homem, Arte em Crise”, no qual — entre outras coisas - conta sua polêmica com alguém que remetera um porco empalhado à Bienal de São Paulo e o gozara porque ele, Mário, com os demais integrantes da comissão julgadora, aceitara a peça na mostra.
Bem, Hobsbawn viveu 95 anos, morreu em 2012.
Poderíamos adiar o fim dA Era dos Extremos para incluir o massacre que foi a Guerra do Golfo, o atentado ao World Trade Center, a retaliação absurda dos Estados Unidos “aos terroristas” do Afeganistão, aos do Iraque em 2003. E houve a primeira guerra da Chechênia, de 94 a 96, seguida da segunda, violentíssima, que começou em 99. Houve as duas terríveis guerras de Kosovo, em 96 e 99, houve — em 2008-2009 - a crise do crédito que colocou em risco a economia de vários países, principalmente a dos desenvolvidos, olha aí a da Rússia contra a Ucrânia, a direita derrotada com Trump e a vitória de Macron.
Hobsbawm diz que da metade do século XX para cá não apareceu, no campo das artes plásticas, nenhum nome do porte dos de Picasso e Matisse, o mesmo ocorrendo na literatura, que teve Cem Anos de Solidão — de 1967 - como última obra de consenso universal.
O Homem perdeu brilho?
Não: mudou de ramo.
— Em 1910 — diz ele — todos os físicos e químicos alemães e britânicos juntos não chegavam a oito mil. No final dos anos 80, os cientistas e engenheiros empenhados em pesquisa e desenvolvimento experimental no mundo somavam cinco milhões!
Acho que Giulio Carlo Argan sacou tudo em 1970, no monumental Arte Moderna, e me parece que você pode confirmar isso conferindo estas pérolas que colhi ao longo de seu volume de 680 páginas tamanho família:
— A arte teve um princípio e pode ter um fim histórico. Tal como as mitologias pagãs, a alquimia, o feudalismo, o artesanato são finitos, a arte pode acabar. Mas ao paganismo sucedeu-se o cristianismo, à alquimia a ciência; ao feudalismo as monarquias e, depois, o Estado burguês, ao artesanato a indústria: o que pode suceder à arte?
— Desde a Bauhaus muitos artistas se mostram prontos a aceitar um novo serviço social, de menor prestígio. Entenderam que o artista-gênio agora é inatual, como o poeta-vate; e que, para se reinserir na sociedade, deve aceitar o sacrifício de seu individualismo absoluto.
E o futuro?
— A arte passará para a dimensão do inconsciente, em que poderá ser um profundo modo de agir.
Como assim?
— Nada de quadros, estátuas, palácios, objetos preciosos, e sim grandes soluções urbanísticas, unidades habitacionais, objetos de uso cotidiano, a fotografia, a publicidade, o rádio e a televisão, o cartaz, o videoteipe.
É como se disséssemos:
— Sabe todos aqueles quadros de Vermeer que sempre retratavam mulheres nos interiores de suas casas holandesas do século XVII, tão limpas quanto luminosas? As grandes artistas eram elas.