Desde que mudei de vez para o Nordeste - e lá se vão trinta e sete anos – muitas coisas me encantam. Especialmente o jeito de falar, os sotaques, as expressões. Tudo me aqui apaixona. É muita riqueza e diversidade num só povo. Certamente, um dos lugares mais apaixonantes é a minha Paraíba “réa”. Nos primeiros tempos, lembro de ir a uma bodega perto de casa comprar algo e a pessoa dizia: “tem não”. Acostumado ao sim e ao não, ficava sempre com o verbo seco e derrapava no entendimento. Por exemplo:
se eu pedia uma caixa de fósforos e o rapaz dizia “tem não”, eu respondia: “então, me dê duas”.
Geralmente ele se irritava com a minha ignorância e repetia o seu “tem não” num tom mais elevado, quase raivoso. Como quem diz: tá surdo, cara de boga? Eu compreendia o vexame, colocava o rabinho entre as pernas e saia desconsolado. Aquele verbo antecedendo o advérbio me confundia sempre. Outras expressões me causavam prazer e rebuliço. Meu sogro, por exemplo, era um homem iletrado, mas sábio. Dizia versos de memória e usava muito a palavra “derradeiro”, que também me enfeitiçava muito. Como é rica a Língua Portuguesa falada pelo povo deste país, pensava este gaudério.
Aliás, essas coisas da Língua e dialetos do povo sempre me cativam. Nasci em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai. Máquina de lavar fui conhecer já na adolescência, mas o que lá se chamava “tanque”, ou “pileta”, na Paraíba era “lavanderia”. O aprendizado era e é um ato cotidiano. Todo dia uma palavra nova, uma expressão nova, um jeito novo de existir. Certa feita estava sentado na frente da minha casa, em Mangabeira, quando passou um vizinho e disse: “boa tarde! Pegando um deforete?” Nunca esqueci. Eu quase caio do banco. Depois descobri que cair do banco aqui, significa “sair do armário”.
Fiquei pensando: que danado é deforete? Logo depois perguntei e descobri que “deforete” significava pegar uma brisa, descansar. Não esqueci da palavra. Também não esqueci que naquele exato momento estava lendo “O século das luzes”, do cubano Alejo Carpentier. Um dos muitos livros inesquecíveis que li nos anos oitenta. Também me apaixonava por palavras que aprendia com pessoas e situações e cujo significado jamais encontrei sequer no Google, mas eram gentilmente fornecidas pelo interlocutor. A exemplo da palavra “quinfuluída” que ouvi na cidade de Cruz do Espírito Santo.
Nunca tive vergonha de perguntar o que não entendo e soube que significava “amante”. “Fulana é quinfuluída de fulano”. Enfim, o idioma da vida alheia. Nunca ouvi nada parecido, mas também nunca mais esqueci. Lembro também da circunstância. Estava na cidade apoiando uma chapa na eleição do Sindicato Rural de Cruz do Espírito Santo. Na época era militante sindical e vivia nas ações da Central Única dos Trabalhadores – CUT. Ações que apoiavam a extinção do que chamávamos de pelego. Mesmo que, como no caso, o trabalhador apoiado virasse a casaca se tornando mais um grande pelego.
Logicamente não iria esquecer um “oxente” e suas variações “oxe” ou “oxen” - e por aí vai. Aliás, palavra que incorporei imediatamente ao meu vocabulário, assim como todas as outras. Poeta gosta, não é mesmo? Logicamente também me impressionavam expressões estranhas como “arrombado”. Quase sempre ouvi esta expressão como elogio. “Se alguém dissesse “fulano é um arrombado”, significava que o cara era muito bom no que fazia. Todavia, recentemente um rapaz me excluiu das redes sociais porque entendeu que se tratava de um termo homofóbico. Daí acendeu uma luzinha amarela. Ora, devemos sim ter cuidado com as palavras e seus significados. Podem ser ofensivas.
Achei estranho e tentei me explicar e me desculpar, mas já era tarde. Na verdade, eu estava falando do ex-governador gaúcho Eduardo Leite que saiu do armário com coragem elogiável, mas com um estranho estardalhaço midiático. Afinal, não implantou uma única política de combate à homofobia e votou num homofóbico em 2018. Elogiei a atitude, mas disse que ele somente seria um arrombado se tivesse combatido a homofobia. Coisa que não fez. Enfim, até errando muito aprendemos com as palavras. Não ofender é também um aprendizado permanente.
Não consegui me redimir com o rapaz, mas gostaria muito. Afinal, quem não se perde numa paixão? Tenho paixão pela fala do povo e sinto que alfabetização é algo permanente. Todavia a expressão mais poética e que me arrebata desde sempre é “gota serena”. A mais bela expressão de espanto que conheço. Geralmente se refere a algo grandioso, memorável. Também tem seus desdobramentos e serve como elogio. Tipo: cachaça boa da gota! O que aprendi é que assim como “arrombado”, o entendimento depende da circunstância. Gota serena expressa também irritação, fúria, enfim.
Ah, paraíba “réa” signfica Paraíba velha. No mais, deixe de pantim porque aqui soltei apenas o fio da meada. As influências estrangeiras e das culturas originárias, são imensas. Aqui na Paraíba vivem os povos Tabajara e Potiguara, nações indígenas. São inúmeras as comunidades quilombolas que ainda resistem com suas culturas tradicionais. No sertão, também estão as comunidades ciganas da etnia Calon. Ainda se preserva inclusive o idioma Calon. Do litoral ao sertão a Paraíba há uma imensa diversidade geográfica, climática e humana. Talvez por isso a sua vocação cosmopolita.