Dona Aparecidinha morava nos arredores num daqueles vilarejos com pose de cidade, um povoamento com menos de cinco mil almas. Vocês sabem como são essas vilas que ganharam autonomia e já botam a maior banca por terem CEP, agência da Caixa, pracinha com coreto que serve de palanque em ano de eleição, Posto de Saúde, três ruas paralelas (uma que vai, outra que vem e a principal que faz as duas coisas) e como não podia faltar uma Delegacia de Polícia. Ia me esquecendo: uma Escola de Ensino Fundamental Fulano de Tal. E para por aí vai. Foi nessa localidade que se deu o causo. Mas para isso vamos falar um pouco de Dona Aparecidinha.
Miudinha, nem beirava um metro e sessenta, mas se destacava um pouco tanto na proa como na popa, se é que estão me entendendo. Cabelos bem fininhos, encanecidos e sempre presos por um eterno coque no cocuruto. Feia? Quase. Sempre puxando um sorriso naquela boca desorganizada com cada dente tentando tomar a dianteira do outro. Destaque-se aquela verruga para ninguém botar defeito numa das bochechas. Aquela súcia do politicamente correto pode querer me espinafrar, dizendo que estou depreciando a figura de Dona Aparecidinha, mas só estou sendo sincero. Ela era assim mesmo.
Não bastasse Deus ter sido parcimonioso com essa senhorinha no quesito estética, ainda falhou quando formatou o caráter da pobre. Dona Aparecidinha tinha a bossa do furto. Gostava de surrupiar o alheio, o que não lhe pertencia. E era muito competente nessa prática.
Sumiu o cartão de crédito da bolsa de Dona Leontina. Quem estava do lado dela na missa das sete? Dona Aparecidinha. A carteira do seu Agenor com R$ 200,00 e todos os documentos desapareceu quando ele saía da Caixa. Quem esbarrou nele? Ela, quem mais podia ser?. A navalha de Seu Alcides ganhou o mundo justamente no momento que a danadinha entrou na barbearia perguntando pelas horas.
Todo mundo sabia que era ela, mas provar… Até que dona Nalva, brava que só, deu falta pelo elefantinho de marfim que estava na mesinha de centro de sua sala. Dona Aparecidinha estivera por lá para Dona Nalva (era enfermeira aposentada) lhe aplicar uma injeção de Voltarem porque estava atacada de reumatismo.
Dona Nalva não se conformou em perder aquele bibelô caríssimo de marfim que herdara da bisavó e deu parte na delegacia.
Doutor Manelão, o delegado, que sempre ouvira reclamações envolvendo nossa agora acusada, resolveu acabar com a atividade clandestina de Dona Aparecidinha. Perguntou a Dona Nalva se ela tinha testemunha, ela disse que sim, então ele marcou hora e pediu à vítima que comparecesse com duas testemunhas. Mandou prender Dona Aparecidinha. Na hora marcada lá estavam Dona Aparecidinha (devidamente algemada), Dona Nalva e as testemunhas: Seu Agenor e Seu Alcides. Começou o inquérito pela acusada.
— Foi a senhora que furtou o elefante de marfim de Dona Nalva?
— Não senhor. Eu respeito os mandamentos. Não está escrito: “Não furtarás”? “Não cobiçarás coisas alheias”, também está lá.
— Senhor Acides, o senhor viu essa senhora furtando o objeto em questão?
— Ver, ver, eu não vi, mas sei que foi essa safada aí. É uma ladra! Todo mundo na cidade sabe que ela não presta, devia estar presa.
— E o senhor, viu o ato? – perguntou ao Seu Alcides.
— Ela roubando o elefantinho eu não vi, mas sei que foi ela. Roubou uma navalha minha. Navalha alemã, uma Solingen importada, novinha.
— Dona Nalva, a senhora viu o furto? Viu Dona Aparecidinha pegando seu elefante de marfim?
— Ver em também não vi. Mas quando ela chegou ele estava lá, quando ela foi embora, o elefante não estava mais. Como pode ser? Só pode ter sido essa ladra aí.
— Sendo assim, não há provas consistentes para que eu mantenha essa senhora detida. É de bom alvitre que encerremos essa inquirição. A reclamante e suas testemunhas retiraram-se indignados, enquanto Manelão retirava as algemas de Dona Aparecidinha.
— A senhora está livre por falta de provas. Mas que foi a senhora, tenho certeza que foi! Só espero não vê-la por aqui novamente.
— Quer dizer que não preciso devolver? – era dissimulada também - Vou colocar ele em cima da geladeira com o rabo virado pra rua. Diz que traz dinheiro, sabia? Manelão não sabia, encerrou o caso, mas por via das dúvidas comprou um elefantinho de louça no dia seguinte e o colocou sobre sua escrivaninha... Com o rabo virado para rua.