Em 1938, Neville Chamberlain era o primeiro-ministro britânico. No auge da popularidade, do poder e da influência, ele lutava desesperadamente para evitar a guerra com a Alemanha de Hitler. Havia visto e sofrido tantas perdas na Primeira Grande Guerra, acontecida há apenas vinte anos, que jurara fazer o possível – e o impossível – para não permitir outro conflito armado, até porque o país e seu povo ainda não tinham se recuperado totalmente da tragédia anterior. Daí entender que seu papel de estadista, naquele momento, era o de perseguir a paz a qualquer custo e até mesmo a qualquer preço.
Esse pensamento pacifista guiou toda a sua política – e as suas decisões apaziguadoras.
Na mesma época, Winston Churchill era membro do Parlamento e, como tal, contestava veementemente as posições conciliadoras de Chamberlain. Via as coisas e o cenário internacional com outros olhos, completamente distintos dos do primeiro-ministro. Para ele, não adiantava perder tempo confabulando com o alemão, em quem só enxergava dissimulação diplomática e determinação para deflagrar uma guerra de conquista por toda a Europa. Com as negociações de Chamberlain, a Inglaterra perdia tempo em preparar-se militarmente para o inevitável conflito, enfraquecendo-se, por isso, para o futuro que prometia ser negro. Por essa postura, Winston era chamado de belicoso, de irresponsável e até de fanfarrão.
O fato é que o país todo queria a paz. Os políticos, os empresários, os militares, a classe média e os trabalhadores. Ninguém queria mandar para a morte seus entes queridos, nem ver as cidades e os campos destruídos. A lembrança da guerra anterior era ainda muito nítida. Mesmo com a vitória, a nação sofrera – e muito. Não dava para repetir, caso fosse possível evitar. Por isso, o primeiro-ministro se empenhava tanto, e por isso os ingleses o apoiavam. Mas é a velha história: quem quer a paz, se prepara para a guerra. Churchill batia nesta tecla, Chamberlain tomava chá com Hitler.
O alemão queria tomar dos tchecos a região dos Sudetos, de forte presença alemã. A França tinha um tratado com a Tchecoslováquia para socorrê-la em caso de agressão, e a Inglaterra tinha um acordo com a França para segui-la em suas decisões de apoio aos tchecos. O que se buscava, portanto, era convencer estes últimos a abrir mão consensualmente do território requerido por Hitler, de modo a não ser necessário envolver a França e a Inglaterra numa luta armada que, a princípio, não era deles, luta essa que podia facilmente se alastrar por toda a Europa – e até mais além.
Chamberlain foi mais de uma vez à Alemanha para discutir a questão. Hitler já sabendo o que de fato queria e o que iria de fato fazer, ficava enrolando o inglês, não só quando adiava temporariamente a invasão da Tchecoslováquia, mas principalmente quando garantia que sua única pretensão territorial na Europa limitava-se à referida área dos Sudetos. Ansioso pela preservação da paz, Chamberlain esforçava-se por acreditar na palavra do alemão. Churchill era um descrente, pressentia a má-fé de Hitler e pregava a preparação imediata para a guerra.
E no fim de tudo a guerra veio, inevitável que era. Não em 1938, mas no ano seguinte. E com ela, Churchill substituiu Chamberlain à frente do governo, e liderou a resistência que culminou com a derrocada nazista. Com isso, a estrela do substituto brilhou cada vez mais, e para sempre, enquanto que a do substituído foi se apagando, apagando, chegando praticamente a desaparecer. Para receber o selo definitivo de grande estadista, Chamberlain precisava da paz, enquanto Churchill precisou da guerra. Assim funciona a história – e a vida. A má sorte de um é a oportunidade de outro.
Não sei dizer como a figura de Chamberlain é vista hoje pelos ingleses. Se afinal reconhecem sua boa-fé e seu esforço imenso pela paz ou se o veem apenas como um ingênuo que acreditou em Hitler, retardando o engajamento total da Inglaterra nos preparativos bélicos indispensáveis à guerra. Espero muito que lhe tenham feito justiça. De minha parte, à distância, através de livros e filmes, sempre o vi como um incompreendido e um injustiçado. Aprendi a simpatizar com ele, sem prejuízo da admiração por Churchill.
Os fatos, em 1939, mostraram que Churchill estava certo: o alemão queria a guerra de qualquer maneira, pois almejava dominar o mundo, na megalomania típica dos tiranos. Mas isso não pode servir de pretexto para se denegrir quem acreditou que a paz era possível, minimamente possível. Chamberlain, de qualquer modo, conseguiu retardar a deflagração da guerra por praticamente um ano, tempo que foi devidamente utilizado pelos ingleses para se prepararem melhor para o combate. Sua falta de sorte ou seu equívoco foi pensar que estava a tratar com um homem de Estado, quando na verdade lidou o tempo todo com um canalha malévolo.