Há cem anos, em 1º de junho de 1922, nascia no Rio de Janeiro talvez a artista mais completa que o Brasil já teve. Refiro-me a Bibi Ferreira, de nome Abigail Izquierdo Ferreira, ou simplesmente Bibi, primeira e única. Uma verdadeira estrela, na mais completa acepção da palavra. Uma diva, como se costuma chamar as deusas de Hollywood. Foi atriz, diretora, cantora e outras coisas mais no mundo do teatro e do espetáculo, sempre com a marca de um talento extraordinário, daqueles que beiram a genialidade, sem nenhum favor. Quem teve o privilégio de vê-la no palco sabe que é isso mesmo, sem nenhum exagero.
Eu tive – e agradeço aos céus por essa dádiva. Assistir a uma apresentação de uma artista do nível de Bibi é algo para se guardar na memória como uma relíquia.
George Clairin
Se existe predestinação, pode-se dizer que Bibi estava realmente destinada ao palco, pois estreou em cena com vinte, vinte e poucos dias de nascida, veja só. Filha de atores (o pai foi o grande Procópio Ferreira), estava num teatro onde seus pais estavam atuando numa peça, quando não encontraram uma boneca que era usada em cena para substituir um bebê. Não tiveram dúvida: pegaram a pequena Abigail recém-nascida e a fizeram estrear na vida artística, vida que seria a sua pelos mais de noventa anos seguintes.
Vida de artista não é fácil – nunca foi. E a de Bibi não fugiu à regra. Primeiro, é uma vida incerta, ou seja, sem a segurança de um trabalho estável e garantido.
PMRJ
Aos nove anos de idade, filha de um homem famoso e importante como já era Procópio Ferreira, à época já provavelmente o maior nome no nosso teatro, Bibi teve sua matrícula recusada no famoso Colégio Sion, administrado por religiosas francesas, sob o inacreditável argumento de que “era filha de artistas”. Veja só. Que belo cristianismo era vivenciado e ensinado por aquelas freiras!. E o curioso é que na propaganda atual desse tradicional educandário carioca, situado no bairro do Cosme Velho, consta que ele pretende ser “um instrumento para os jovens adquirirem o conhecimento necessário dos valores humanos e cristãos, especial o acolhimento do ‘outro’ sem discriminações”. Veja só. Mudou o Natal ou mudei eu, perguntaria certamente o sempre irônico Machado de Assis, por sinal ex-morador do mesmo bairro do catolicíssimo colégio.
CC0
Parece não ter sido muito feliz no amor. Teve vários casamentos Um deles, talvez o derradeiro, com o nosso Paulo Pontes, muito mais novo que ela. Ou quem sabe foi feliz assim, aos pedaços, vivendo as paixões enquanto duravam, uma de cada vez. Existem várias formas de felicidade além da monogamia e dos casamentos longevos. O importante é que ela amou e, imagino, foi amada, reciprocamente. É o que basta. É o que deve ter lhe bastado.
@bibiferreiraoficial
Pouco tempo depois, justificou-se toda aquela emoção: a imensa Bibi nos deixou, tranquilamente, em casa, no seu apartamento no bairro do Flamengo, onde vivera muitos anos de forma discreta e elegante, como a grande dama que era. Morreu literalmente em plena glória.
A menina rejeitada pelas piedosas freiras do Sion tornou-se maior que elas, maior que todas as ex-alunas, maior que o próprio colégio, e ficou, para orgulho de uma nação inteira, do tamanho do Brasil.