Alguém sabe a diferença entre uma coisa e outra? Entre bolacha e biscoito? Não? Pois bem, a bolacha e o biscoito vão aparecer no fim deste causo sem que desfaçamos esta dúvida. Mas primeiro tenho que apresentar ao dileto leitor e à querida leitora Zezinho Gafanhoto.
José A.L.S. era o que poderíamos chamar de comilão de mão cheia; ou melhor, de boca cheia. Tinha, acreditem, um apetite voraz como pouco já se viu nesse mundão de Deus; o que justifica plenamente a alcunha. É o que precisam saber dessa criatura. Então agora, feita essa resumida apresentação do protagonista, vamos ao causo.
Dona Maricotinha era comadre de Zé e num daqueles feriados que acontecem na quinta-feira e espremem o calendário proporcionando um fim de semana prolongado, ela que era pessoa das
Carry G
Nossa anfitriã pegou no batente desde cedo, abastecendo o fogão à lenha que ficava debaixo de um puxadinho construído para proteger suas aventuras culinárias. O rega-bofe estava marcado para as três da tarde, mas às dez o pagode já estava a todo vapor.
Roda de samba sem uma cerveja gelada, sem uma cachacinha para espantar os capetas e sem tira-gosto não é pagode que se preze. Assim, quando a cantoria começou a esquentar já saiu um prato de torresmo, depois o sarapatel, não demorou o queijo de coalho temperado no azeite com orégano, porção de fritas para ninguém botar defeito e por aí foi: Dona Maricotinha abastecendo o apetite daquela turma boa de samba e melhor ainda no quesito apetite. Nosso Zezinho Gafanhoto não se fez de rogado e mais do que todos ali, quando dava uma folga para o pandeiro estava mastigando e sempre generoso nas porções. Era um limpa trilhos, nada enjeitava aquele estômago sancho. As garrafas também foram esvaziando e nosso amigo já havia entornado umas quatro da “loira” quando Dona Maricotinha anunciou que a buchada estava pronta.
Douglas Antério
Juntaram as mesas e o povão não deu tempo. Todo mundo fazendo seu prato, e os garfos logo entraram no exercício de suas funções. Conversa animada entre uma garfada e outra e ainda sobrava um tempinho para uma bicada nos copos de cerveja e nos da “marvada”.
Zezinho Gafanhoto foi um dos primeiros a encher sua gamela. Quando todo mundo se servia de uma trouxinha de buchada, nosso amigo colocou no prato logo cinco para não ter trabalho depois, três conchas de feijão, quatro de arroz e completou aquela montanha com dois nacos de mocotó e em seguida enfiou o beiço naquela gororoba.
Todo mundo ali comentando o apetite de Zezinho: “Deixa um pouco pra gente”. “Como é que isso cabe dentro de você, Zezinho?”. “ Só quero saber como é que isso tudo vai sair”. E por aí seguiam os comentários enquanto nosso comilão, sem se importar com o que diziam, ia mandando ver.
Douglas Antério
— Gafanhoto tá passando mal. Tá lá no corredor. Não consegue nem falar.
Foi um corre-corre danado, gente abanado o pobre, Arlindo já ligou para o SUS pedindo uma ambulância. Dona Maricotinha já preparou um chá de carqueja com boldo e foi servir para o coitado que mal respirava.
— Tome esse chá compadre Zezinho, precisa maneirar no apetite. Assim você morre, homem.
Zezinho recolheu o que lhe sobrava de forças e perguntou: — O que é isso, comadre?
— Chá de boldo com carqueja, toma que você melhora. — Mas tomar chá assim, sem uma bolacha, sem um biscoito...