Como é bom ouvir grilos e sapos nas noites úmidas que antecedem o doce e adorável inverno... Nenhum “insight”, nenhum estado “alfa”, ou sequer uma emoção mais sutil podem ser experimentados se não pularmos a cerca do cotidiano, da rotina, da indiferença, ouvir a prazerosa voz do silêncio total.
Essa poética e graciosa cantoria de bichinhos entoada em uma verde relva naturalmente alagada com as recentes chuvas, por trás de nossa casa, passaria despercebida se os pensamentos que trouxera da pedalada à beira-mar não houvessem levitado acima do dia-a-dia: o horizonte cor de chumbo se espelhando no mar sereno, as ondas esparsas a se aproveitarem da calmaria para “falar” mais alto, a carreira miúda das lavandeiras bicando ciscos na areia macia, que o mar acabava de vitrificar com espumas brancas, e as marias-farinhas correndo delicadamente, de um lado para o outro, desenhavam um caminho para longe da razão.
Para completar, um banho de mar. Ninguém na praia, ninguém no mundo, nada à vista, mas tudo conosco. Com a água no pescoço, ao nível do horizonte, o pensamento voou longe e confundiu-se com o céu. Éramos um. Como pareceu eterno aquele momento, dourado pelo sol, que longe descia... E o inverno já começava a aparecer por trás do duplo arco-íris, que encortinava aquele palco tão divino, que para nós representava a calma e terna felicidade de ser e não ser...
Mas o céu fechava as portas do dia, e já era hora de voltar. Felizes daqueles que têm prazer no regresso... Levantei-me, senti escorrer da mente aos ombros, e corpo abaixo, a deliciosa água, que já não se fazia morna como no verão, e fomos para casa.
A água que agora me molhava vinha do chuveiro, junto com as doces lembranças do crepúsculo deixado na praia. Depois do banho, um breve repouso com a cabeça recostada em bons fluidos.
Do lado, o notebook se mostrava disponível para me conectar a um mundo longe daquele que eu acabara de ver e experimentar. Ele não traria notícia das lavandeiras, das maria-farinhas, do marulho...
Preferi ouvir os grilos que pinicavam a noite com sons miúdos e os sapinhos a coaxar sua sinfonia sem maestro, em invejável sintonia, adorando a lagoa que a chuva lhes deixara de presente. A mesma sintonia que me fez escrever essas bobagens, que nem sempre interessam...