Como é bom ouvir grilos e sapos nas noites úmidas que antecedem o doce e adorável inverno... Nenhum “insight”, nenhum estado “alfa”, ou sequer uma emoção mais sutil podem ser experimentados se não pularmos a cerca do cotidiano, da rotina, da indiferença, ouvir a prazerosa voz do silêncio total.
Essa poética e graciosa cantoria de bichinhos entoada em uma verde relva naturalmente alagada com as recentes chuvas, por trás de nossa casa, passaria despercebida se os pensamentos que trouxera da pedalada à beira-mar não houvessem levitado acima do dia-a-dia: o horizonte cor de chumbo se espelhando no mar sereno, as ondas esparsas a se aproveitarem da calmaria para “falar” mais alto, a carreira miúda das lavandeiras bicando ciscos na areia macia, que o mar acabava de vitrificar com espumas brancas, e as marias-farinhas correndo delicadamente, de um lado para o outro, desenhavam um caminho para longe da razão.
ALCR
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A água que agora me molhava vinha do chuveiro, junto com as doces lembranças do crepúsculo deixado na praia. Depois do banho, um breve repouso com a cabeça recostada em bons fluidos.
Do lado, o notebook se mostrava disponível para me conectar a um mundo longe daquele que eu acabara de ver e experimentar. Ele não traria notícia das lavandeiras, das maria-farinhas, do marulho...
Preferi ouvir os grilos que pinicavam a noite com sons miúdos e os sapinhos a coaxar sua sinfonia sem maestro, em invejável sintonia, adorando a lagoa que a chuva lhes deixara de presente. A mesma sintonia que me fez escrever essas bobagens, que nem sempre interessam...