Reaberta a biblioteca, dobro a última curva dos vagares pela praça coberta do Espaço Cultural e desço a rampa que nos introduz no universo sempre insuperável dos livros.
De cara, na entrada, a inscrição com o nome de Juarez da Gama Batista. Merecidíssima. Poucos se dedicaram, se serviram e se deram tanto ao livro. E fora D. Lygia, a esposa, e as filhas e filhos, ninguém dos ainda vivos testemunha mais remotamente essa paixão do que o caboclo que ele veio conhecer num incidente de revisão.
De cara, na entrada, a inscrição com o nome de Juarez da Gama Batista. Merecidíssima. Poucos se dedicaram, se serviram e se deram tanto ao livro. E fora D. Lygia, a esposa, e as filhas e filhos, ninguém dos ainda vivos testemunha mais remotamente essa paixão do que o caboclo que ele veio conhecer num incidente de revisão.
Fui chamado: “O diretor quer falar com você”. A convocação veio através do mais intolerável dos portadores, um brancoso de nome alemão, de terno e gravata imitando o diretor, e de pouca ou nenhuma conversa com a miuçalha da revisão ou das oficinas. Devia odiar-me por me pilhar, certa vez, imitando o seu defeito: ele tinha um ombro mais alto e coxeava levemente uma perna. Compensava-se ostentando a sua importância de venta para cima. E eu - não nego - fazia a turma rir imitando-o.
Teria sido por isso que o diretor me chamava?
Não. É que me atrevera a consertar um descuido de gramática na prova que subira com a crônica do diretor. João Viana, Milton Paiva e D. Zilda, professores do ginásio Pio XI, somados, aqui, com os do Liceu e Castro Pinto, impingiram-me esse zelo. Sem falar na repercussão da gramática entre os Messias Leite e Armando Frazão do Ponto de Cem Réis. Era a primeira e mais importante exigência a quem se metesse a escrever. E como sempre fui rude com o xadrez da lógica, mesmo a menor, terminei me escravizando a um mineiro capa mole chamado Carlos Góes.
Numa concordância que ousei estranhar, emendei um descuido do diretor, que mandou me chamar para saber com que autoridade. Querendo ser engraçado, creio que rindo, respondi “com a autoridade de Eduardo Carlos Pereira e Carlos Góes”. Falava ao cronista da minha adesão, do meu aprendizado, e o que vi, surpreso, abestalhado, foi, efetivamente, um diretor.
Deixei A União, saí me virando, e não demorou que o tempo, o meio e as circunstâncias afins logo nos reaproximassem.
Morrera um amigo comum, Alberto Abah, íncola espiritual do Ponto de Cem Réis, da mesma Rua Nova dos Gama e Melo, da mesma infância de Juarez, e achei de escrever sobre a civilidade ou o elitismo de espírito desse vendedor de anúncio do jornal O Norte. Elegante sem precisar de vestir bem, na conversa, nas coisas que sabia do mundo e da vida. Só tinha um defeito: detestava Pelé, mesmo como a grande a revelação de 1958. Seu ídolo era um inglês que esqueci do nome. No outro dia, Juarez Batista passa no jornal e deixa num bilhete: “Nêgo, você só esqueceu o traço que me parece mais característico ou mais completo do nosso Abah: a boca de peixe”. Com duas palavras ele definia o homem e seu jeito de ser.
“Biblioteca Juarez da Gama Batista”. Devo ter chegado na hora errada, hora de almoço. Está funcionando, sim, pois é lá que uma das minhas netas voa meia cidade para colher diariamente os seus dourados grãos do saber. Quando não está no trabalho está sob o manto de Juarez.