As possibilidades da engenharia genética são ilimitadas. Li que num futuro próximo será possível fazer clonagens retrospectivas e, ativando a memória do DNA, recobrar determinadas características que as espécies perderam ao longo do processo evolutivo. Veio-me então à cabeça a possibilidade de readquirirmos nosso rabo.
O rabo nos traria inúmeras vantagens neste mundo regido pelo consumo. Quantas vezes, no supermercado, não deixamos de comprar mais coisas porque só temos duas mãos? O rabo funcionaria como uma terceira.
Na vida amorosa ele também se mostraria muito útil. A começar de que daria um sentido literal à palavra “enrabichado”, que hoje usamos como vaga e deseducada metáfora. Em vez de olhar para as pernas e o bumbum das mulheres, os homens olhariam para seus rabos, que logo se tornariam irresistíveis símbolos sexuais. No jogo da conquista, a aquiescência às insinuações de um pretendente não se expressaria por um olhar ou um sorriso – mas por um sugestivo balançar de rabo.
Como se vê, a reincorporação em nós do rabo afetaria também a linguagem. Aproveitaríamos então para dispensar o termo crista, que roubamos dos galináceos para caracterizar nossas alternâncias de humor. Se deprimido, alguém estaria “de rabo baixo, ou encolhido”. Se eufórico, estaria “com o rabo lá em cima”. E só mesmo por descaso ou precipitação alguém ficaria com “o rabo preso”. Sem falar que nos livraríamos de mais uma expressão chula, pois não se estaria mandando, por qualquer comezinho motivo, alguém enfiar nele alguma coisa.
As relações sociais também se fortificariam com o seu reaparecimento; um aperto fraterno de rabo seria a prova de uma estima verdadeira e de outras mais densas afeições. Em vez de se darem as mãos, os namorados se dariam apaixonadamente os rabos. E poderiam mesmo colocar neles as alianças, deixando o dedo para outros tipos de símbolo – o anel de formatura, por exemplo, jamais seria colocado no rabo. Não seria de bom-tom.
Conscientes do poder do rabo, as pessoas tratariam de mantê-lo não apenas saudável como também bonito. Isso levaria a indústria a lançar no mercado produtos especialmente voltados para ele. Haveria salões (os Rabo Coiffures) especializados em penteá-lo, rinçá-lo, tingi-lo, pois um rabo bem apresentado indicaria status e melhoraria a autoestima do seu dono. A publicidade ajudaria na disseminação dessa ideia, criando slogans como: “Um homem se conhece pelo rabo”, ou: “Você é sobretudo o rabo que tem”.
Tanta importância dada a ele inevitavelmente geraria conflito entre as pessoas, e a psicanálise acabaria descobrindo um complexo fundado na “inveja do rabo” (que, ao contrário da “inveja do pênis”, atingiria homens e mulheres). Os terapeutas penariam muito para convencer os rabicurtos de que os rabilongos não viviam no melhor dos mundos.
O rabo teria opositores, claro. Seus adversários condenariam a clonagem por considerá-la um retrocesso. Os defensores contra-atacariam dizendo que a volta do rabo confirmava a lei do “eterno retorno”. E os religiosos, sabiamente, veriam nele a indicação de que o homem devia abdicar da vaidade e da soberba, pois era um animal como outro qualquer. A prova disso é que, tal como os cachorros e os macacos, tinha rabo.