Ninguém vê mais terra, chão, verde, ambiente natural nas cidades de hoje. Os parques são uma espécie de "reserva" na paisagem, ainda assim transformados em “parquinhos” modernosos, como fizeram com a Lagoa e a Bica, aqui em João Pessoa.
É óbvio que isso aumenta a opressão sobre o indivíduo, é uma tortura psicológica danada. Sem dúvida, essa situação potencializa a violência urbana. Na explosão de violência também está a inconformação do indivíduo (que já não tem educação, saúde, emprego e moradia decentes)com o processo de desumanização da cidade em que vive e a desigualdade imposta pelo traçado urbano.
Quem não se sente de alguma forma agredido, caminhando nas nossas calçadas estreitas e mal cuidadas? É impossível o indivíduo ter saúde física e mental caminhando pelas nossas calçadas cheias de obstáculos e buracos. E se resolve olhar para o alto, se deparando com a "barreira" da fiação nos postes, tudo dentro de uma atmosfera visual e sonora bastante opressiva?
Do corte do galho de uma árvore à construção de um viaduto, tudo aqui é feito em função dos carros, que, aliás, proliferam como coelhos, tornando impossível qualquer solução racional para o trânsito caótico da cidade. Mobilidade urbana não é apenas facilitar o trânsito de veículos. É melhorar também – e principalmente - a locomoção dos “sem-carro”.
Os carros roubaram a paz do pedestre e até do próprio motorista, restringiram enormemente o espaço dos caminhantes e aceleraram a devastação e a desumanização das cidades, contribuindo, em larga medida, para tornar a natureza um ambiente hostil ao homem e, indistintamente, a todos os seres vivos.
Nossos dirigentes e legisladores devem deixar de pensar como se seus cérebros fossem peças de automóvel. João Pessoa é também para os “sem-carro” — a imensa maioria da população —, com transporte público eficiente, menos poluição, concreto, asfalto, automóveis, e mais áreas verdes e calçadas largas, livres e bem cuidadas.
Como tudo de ruim tem sua origem na (des)ordem política, social e econômica, que reina há séculos no Brasil, nas mínimas coisas a gente observa que nossa democracia é uma tremenda figura geométrica, quando não figura de retórica. Privilegiar quem tem carro, com uma média histórica de apenas 30% da população possuindo veículo próprio, é privatizar a cidade.
Mas acontece que o Poder é motorizado. Então...
As frases seguintes são de Enrique Peñalosa, economista, urbanista, ex-prefeito de Bogotá, uma das maiores autoridades em mobilidade urbana no mundo:
“O primeiro artigo de todas as constituições democráticas, inclusive a brasileira, diz que todos são iguais perante a lei. Se isso é verdade, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço nas ruas que um carro com uma pessoa.
“As pessoas usam carros porque é mais confortável, dá liberdade e segurança.
“Os carros são maravilhosos para passear, para sair à noite. Mas se todos resolvem ir de carro ao trabalho, a cidade entra em colapso. Quando falamos de cidade sem carros, ou com poucos carros, não estamos falando da ilusão de um hippie louco. Estamos falando de cidades que já existem e que são as mais bem-sucedidas do mundo, como Nova York, Londres, Zurique. Em Paris, a maioria dos prédios no centro nem tem estacionamentos.
“O Brasil vai na contramão, com o governo federal incentivando a compra de carros e o municipal exigindo garagem dos novos empreendimentos.
“Isso é um erro. Não defendo que as pessoas não tenham carro. Defendo que repensem como usá-los. Não devemos proibir o carro, mas dificultar sua utilização e facilitar a vida daqueles que queiram viver sem ele.
“Tratar os engarrafamentos com vias maiores é como apagar fogo com gasolina”.