Um dia minha juventude botou na cabeça ir morar na Inglaterra. A fascinação pelos Beatles pode ter influenciado a ousada decisão.
Com passagem só de ida, quinhentos dólares no bolso, duas calças “Lee”, duas camisetas brancas, um casaco de frio, um coturno de paraquedista, um mapa da Grã-Bretanha (brinde da agência de viagens de “Seu” Arnaldo Von Sohsten) e o endereço da família que iria me acolher, no Condado de Sussex, desembarquei no aeroporto de Heathrow decidido a não voltar mais para o Brasil.
Hoje isso não tem problema nenhum, mas naquele tempo era algo como pegar um foguete para Marte. Os contemporâneos sabem que era assim.
Outro dia, revendo fragmentos de cartas manuscritas de minha mãe, papéis guardados no baú de recordações por mais de 40 anos, bastante desgastados pela ação do tempo, observo que desde a primeira correspondência, naquele ritmo de água mole em pedra dura, ela deixava transparecer o seu desejo de me ver de novo ao seu lado.
Com a morte do pai, passei a dividir com minha mãe as tarefas de gerir as coisas da casa. Só hoje vejo que fui egoísta, não devia ter ido embora num rompante, assim sem mais nem menos, apenas para satisfazer uma vontade pessoal. Aprendi que muitas decisões que tomamos devem levar em consideração as consequências também na vida dos que nos cercam...
As cartas revelavam sobretudo a angústia que ela sentia em me ver tão distante, numa época de comunicação precária, sem nenhuma definição quanto ao meu regresso, e, o pior, sem poder me socorrer num momento de necessidade. Lá um belo dia, vagando pelo Hyde Park, mas me imaginando na Bica, decidi voltar. Se errei em voltar, em função do que já havia conquistado, nunca vou saber. Só sei que fiz a felicidade de minha mãe.
De professora sou filho,
não pode haver melhor sina
— ainda mais sob o brilho
de minha mãe Severina...
(P.S.)