Definitivamente, o tradutor do Google não entende Latim. Falo do aplicativo a que sempre recorro, dado o limite estreito dos meus conhecimentos, em busca do significado de expressões em língua estrangeira antiga, ou moderna. É bom evitá-lo. Quem avisa amigo é. “Qui monet amicus est”?
E antes que me perguntem como eu, um sujeito tão pouco ilustrado, ouso contestar o serviço do Google, respondo. A contestação é dele próprio. Pus uma frase no modo Português/Latim e obtive a tradução. Mas, acostumado a checar tudo o que vejo e ouço (uma boa providência no meu ramo), inverti o processo. Peguei, então, o resultado da consulta em Latim e o apliquei no modo Português. Pronto, deu outra frase com sentido avesso ao da primeira.
Não acho, portanto, que a vaca botou em mestre Alfredo desse jeito: “Quam quae vaccam vorat domini impetum Alfrido”. Será? Também não sei se a expressão popular relacionada ao bêbado e àquilo de que ele deixa de ser dono em estado profundo de embriaguez pode ser assim traduzida: “Absumat ebria non a anus dominus”.
Quem tem boca vai a Roma, escrevi para o tradutor evitando a expressão original: “Quem tem boca vaia Roma”, do verbo “vaiar”, a fim de descomplicar a coisa. E ele me responde: “Qui habet oris Roman vadit”. Inverto a pesquisa, mudo isso de Latim para Português e leio: “Hábito romano que vai da boca”. Vôte!
Dou, porém, um certo desconto ao assistente de tradução por seus equívocos. Essa coisa de provérbios, histórias, crenças e ditos populares costuma ser complicada até num mesmo idioma. Quem já não aprendeu que, em sua origem, batatinha espalha ramas pelo chão ao invés de no chão se esparramar?
Nos primeiros usos do termo, bêbado nenhum enfiava o pé na jaca, mas no jacá, cesto colocado à entrada das antigas bodegas para exposição de mercadorias. Também já fui informado de que quem não tem cão caça como gato, isto é, sozinho. E que se corre de burro quando foge, seja lá a cor que o bicho tenha.
Oriundos, muitos do período da colonização ou de tempos medievais, os provérbios, crenças e ditos populares amoldaram-se aos conceitos e costumes de gerações sucessivas. Eu os adoro e, a depender de mim, não morrerão. Assim, também, as histórias infantis.
Meu neto sabe que São Pedro é o chaveiro do Céu. E que, às vezes, ali também faz a faxina. Tanto que a água jogada a fim de deixar o chão limpinho nos cai na cabeça em forma de chuva. O trovão? Isso é o barulho de móveis arrastados.
O homem acumula afazeres diversos, o que explica uma ou outra negligência quando na Portaria. Sei de um defunto que ali bateu, São Pedro foi ver quem era e o sujeito enfiou o pé na brecha. O santo apertou a porta, o cara gritou. Afrouxou, compadecido, e uma perna entrou no Paraíso. Depois, o tronco, a cabeça e o Céu terminou por receber um morador novo.
Ouvi essa história da minha avó Amélia que a ouviu da avó dela. Aliás, me espanto, eu mesmo, de vez em quando, com fatos de idêntica natureza na vida real ao observar certos ingressos em circuitos fechadíssimos. Insistência é tudo, meu companheiro.
E eis um conselho, embora eu entenda que se fosse bom seria vendido. “Si consilium esset bona vendidisset”. Perdão, é coisa do Google. Mas, enfim, um conselho. Não deixem que essas coisas morram. Aqui em casa, desde o nascimento dos três filhos eu reconto sem cansar os contos da Carochinha.
Miguelzinho sabe que mistura de sol e chuva é sinal de que há raposa a casar numa dessas bocas de mata. Sabe que é presente do Leão. Na primeira vez em que foi convidado a uma festa dessas o rei dos animais perguntou que brinde a noiva gostaria de ganhar. Teria que escolher entre a chuva (símbolo de fartura e riqueza) e o sol (de felicidade). Gananciosa, atirada como ninguém, a raposa pediu, de uma vez só, as duas coisas. O Leão achou tanta graça que assim concedeu.
Meu neto conhece a história do sapo que se escondeu na viola de um urubu convidado para festa no Céu. Depois da quinta nuvem, o bicho de pena preta percebeu um barulhinho lá dentro, emborcou o instrumento e o sapo desabou no abismo, aos gritos: “Sai de baixo, pedra, senão eu te arrebento”. A pedra não se moveu e foi ele quem se esborrachou. Mas deu sorte porque Nossa Senhora, que por ali passava, viu tudo. Chamou um anjo e pediu-lhe para buscar agulha e linha a fim de costurar o pobrezinho que, assim, voltou a viver. É por isso que, até os dias de hoje, tudo que seja sapo tem as costas costuradas.
Contem tudo às crianças, mesmo quando já tenham alcançado os 30 anos de idade. É providência que serve para o repasse aos que delas advierem. Contem mesmo. Só não usem o tradutor do Google.
Também não perguntem muito, nestes dias horrorosos, sobre a razão daquilo que façam, ou escrevam. Acabei de consultar a Patroa sobre essas mal traçadas linhas e ela me respondeu, de olhar atravessado, com outra pergunta: “Isso tem pé nem cabeça?”. Sei lá. Pode ser falta de assunto ou, então, efeito dessa última guerra. Também, da pandemia que ainda ameaça o mundo. “Pandemic effectus”. O fato, minha gente, é que vivemos um tempo de sapos e urubus.