Na adolescência, ainda morando no bairro do Róger, troquei cartas em inglês com uma garota polonesa. Consegui seu endereço numa seção especializada de uma revista de fotonovelas que encontrei numa pilha de revistas velhas de uma de minhas irmãs. Para exercitar o inglês, os garotos do meu tempo procuravam nas revistas nome e endereço de estrangeiros interessados em se corresponder com brasileiros.
Logo nos primeiros dias de abril de 1964, tendo acabado de completar 15 anos, recebi sua última correspondência, violada e com recomendação transmitida pelo carteiro para não escrever mais para um “país comunista”.
Na carta, ela enviava fotos e falava da excursão que fizera com os pais às montanhas de Tatra, tal como prometera na carta anterior. Nossa conversa não tinha nada de política. Falávamos da família, da escola, dos namoros, enfim, da nossa vida morna de adolescentes, em países tão diferentes quanto distantes.
Através de suas cartas, entre outras coisas da Polônia, fiquei “conhecendo” o Rio Vístula, uma das belezas naturais de Kraków (Cracóvia), que infelizmente nunca cheguei a visitar, porque, quando estive na Europa, a Polônia integrava a “Cortina de Ferro” (bloco de países comunistas liderados pela União Soviética), o que praticamente inviabilizava o acesso de estrangeiros ocidentais.
Com medo, confesso (o golpe militar se instalara há poucos dias), queimei todas as cartas e fotos que ela havia mandado. Não tenho nada, tudo está apenas na minha memória. Só guardo até hoje o envelope da última carta, em que ainda estão bem visíveis os endereços do destinatário e remetente, e fortes indícios de violação de privacidade.
Revirando o baú de recordações, tive num primeiro momento, como que sonhando acordado, vontade de retomar o contato com ela para saber se é viva e se ainda lembrava o nosso papo adolescente. Desisti. Com muita tristeza, preferi não me tornar personagem de um conto americano...