A Semana Santa há de ser sempre tempo de lembrar as lições cristãs mais duras. Justamente as que recusamos praticá-las. Falo daquelas que Jesus Cristo praticou com altivez e resignação, como sacrificar-se pelos seus semelhantes. Ou expulsar os vendilhões do templo. Ou desafiar alguém a atirar a primeira pedra se não tivesse pecado.
Quem há de dar a outra face ao ser agredido, num tempo em que a vingança faz parte da personalidade humana cada vez mais?
Hoje me peguei lembrando das Semanas Santas passadas na casa da mana Nenem em final dos anos 1980, quando vim para Cajazeiras fazer o curso de Letras. “Quer vinho, venha”, era a máxima brincada por todos nas calçadas de Antônio. Com Laura, Ildevar, Tio Vicente, Luciano, Pedro.
Só via era o povo chegando com os garrafões de vinhos. Cunhados, primos, irmãos, irmãs…
Na quinta-feira já começavam as homenagens a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.
Da forma mais profana possível, porque no Brasil tudo termina em festa.
Muito vinho, muito peixe, uma música suave e muita conversa. O peixe geralmente era Tucunaré ou Curimatã, quando em Cajazeiras (todos de água doce), ou outros que não lembro o nome, quando em João Pessoa (todos de água salgada). O vinho ainda eram os famosos garrafões Dom Bosco, Carreteiro e outros parentes tão pouco nobres quanto eles.
Não havia rede social ainda, então, não se tinha a preocupação de exibir fotos com vinhos importados e taças finas de cristal.
Mas de tão simples, era tudo encantador, porque sobrava alegria e a família estava mais uma vez reunida.
Tempo em que o peixe era sagrado, não apenas para os pecados da gula. Como se estivéssemos na Roma ou Grécia antiga, em rituais de paz, alegria e confraternização.
Mas atire a primeira pedra quem nunca pecou, eu dizia. Difícil alguém ter coragem de fazer isso. Todos pecamos, sim, se é certa a definição de pecado que está na Bíblia. Mas pecamos principalmente pela forma como agimos no dia-a-dia. Vejo tantos religiosos, que frequentam cultos e missas intolerantes, preconceituosos, arrogantes, egoístas. Essas pessoas são aparentemente cristãs. Pregam a palavra de Deus e adoram condenar os outros. Pior é que elas se impõem na sociedade pelas atitudes que alardeiam praticar, não por causa das que pratica de fato.
É hora de refletir sobre o simbolismo do calvário de Cristo. Valeu a pena? Estamos compensando todo o sofrimento de Cristo a caminho da cruz? Não acredito. Melhor tomar um vinho em família, na ausência de respostas. Beber o sangue de Cristo para aprender a não espalhar sangues pelo mundo afora. Ficar com a lembrança do pai, que se foi numa sexta-feira da Paixão. Lembrança que fortalece toda uma família que o amava muito e venerava seu exemplo de dignidade e grandeza.
Quer vinho, venha…
Era a máxima repetida na homenagem a Santa Ceia, enquanto na cozinha se preparava mais peixes e bacalhau.