Conheci o antigo slogan da Rádio Jornal do Commercio, em fins dos anos de 1950, quando aportei no Recife para os estudos primários. Logo percebi como aquilo enchia de orgulho o peito de muita gente. Não menos, o de vários colegas de escola. “Rádio Jornal do Commercio. Pernambuco falando para o mundo”, dizia, a todo momento, um locutor de voz grave, clara e pausada.
Gravura do edifício na Rua Rua do Imperador, bairro de Santo Antônio, centro do Recife, originalmente construído para abrigar a Rádio Jornal do Commércio ▪
Fonte: Miguel Santos
O menino que eu fui juntava-se aos da vizinhança para assistir ou comentar os capítulos de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, a radionovela escrita, originalmente, por Moysés Weltman para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e que, dado o sucesso de público, seria depois transformada em gibis e levada para a televisão que naquele momento também surgia nas casas mais abastadas das pequenas cidades. Na versão recifense, Jerônimo era interpretado por Geraldo Liberal. Não me lembro, porém, do nome da moça que emprestava a voz para Aninha, a namorada do herói.
Tanto no Recife quanto no interior (durante as férias escolares), a meninada quase toda mantinha, diariamente, um encontro com Jerônimo, seus amigos e seus inimigos. As histórias com influência forte do faroeste americano eram levadas ao ar a cada fim de tarde.
“Quem passar pelo Sertão/vai ouvir alguém falar/do herói desta canção/que eu vivo pra cantar”, diziam os versos da toada espalhada aos quatro ventos pelo alto-falante do tipo “trombeta”, aquele de boca larga então fixado no teto do Mercado Público onde Seu Zé Ribeiro improvisava o cineminha de Pilar, antes da construção do prédio próprio.
Dávamos asas à imaginação. Para mim, Jerônimo era um sujeito moreno, alto e musculoso. O amigo Wolney, que também estudava no Recife e passava as férias em Pilar, o supunha louro. Concordávamos, porém, que Aninha era branquinha e tinha os olhos azuis. O Moleque Saci, companheiro de Jerônimo, evidentemente, teria a cor do carvão.
Eva Christian (Aninha), Canarinho (Moleque Saci) e Francisco di Franco, na versão para a TV da radionovela "Jerônimo, o Herói do Sertão" ▪ Rede Tupi de Televisão (1972) ▪ Fonte: Revista Amiga
Certa vez, uma prima da minha mãe, de nome Terezinha, levou-me para um fim de semana em sua companhia, num sobrado da Rua da Aurora. Tinha uma escola de acordeon e era radiatriz, do “cast” da Tamandaré. Fui, animadíssimo, na esperança de que ela me apresentasse a Jerônimo e já me deliciava com a inveja que de mim sentiriam Wolney e outros amigos, mesmo os do Recife, metidos a besta. Estes zombavam de Pilar. Vinguei-me, certa vez, com a informação de que minha cidade, apesar de pequena, era tão importante que dava nome a uma fábrica de biscoitos. E houve quem nisso acreditasse.
Da sacada da Rua da Aurora, arregalei os olhos para os letreiros luminosos que, do alto dos prédios, tão logo o Sol se recolhia, reproduziam-se com imagens invertidas nas águas do Capibaribe. As letras de neon acendiam uma a uma, incrivelmente coloridas, até completarem a mensagem. E apagavam todas juntas, noite a dentro, sem descanso nem cansaço.
Ainda bem que Terezinha – orgulho dos parentes de Camutanga, Juripiranga e Pilar – não me mostrou Geraldo Liberal. Imaginem, se assim o fizesse, o tamanho do desencanto... Careca e um pouco balofo, como posteriormente pude ver, de Jerônimo mesmo ele só teria a voz.
O sinal da Rádio Jornal do Commercio, forte e claro, também punha meio mundo em contato com as agonias e os prantos de “O Direito de Nascer”. Vi, muitas vezes, minha mãe e minha avó entre lágrimas, ambas compadecidas das dores de Maria Helena, uma mãe solteira deliberadamente recolhida ao convento para fugir do falatório. Sem a mínima sombra de dúvida, eram tempos mais inocentes aqueles nos quais Pernambuco falava para o mundo.