“Sempre, às seis horas da manhã
No Largo do Maracanã
Eu ouço com emoção
Uma mensagem que o sino
Da igrejinha do Divino
Dirige ao meu coração...”
A Deusa do Maracanã ▪ Jaime Guilherme
A Deusa do Maracanã ▪ Jaime Guilherme
Cumprindo a última etapa de um périplo de exames que o desvelo e a competência de meu cardiologista, Dr. José Mário Espínola, me impôs, vi-me imobilizado em uma máquina curiosa – talvez, quem saiba, vinda pela mão de Stanley Kubrick em “...Uma Odisseia no Espaço”, que se propunha a espionar o interior de meu peito, já não tão juvenil, em busca de algum desvio de conduta.
Nessa imobilidade, restava-me tão somente o pensar – livre, como bem mencionava o escritor Millôr Fernandes, que foi conduzido a recordações gradas, como a despertada pelo José Nunes, em sua crônica “Um passeio pela memória” (in Ambiente de Leitura Carlos Romero) —, que me trouxe de volta a um período marcante de minha vida, vivida naquelas trilhas que José Nunes, com a cumplicidade do Jornalista Gonzaga Rodrigues, restaura nas mentes de quantos viveram naquelas paragens e naquela época.
Embora já conhecesse algumas daquelas trilhas, percorridas em épocas anteriores, o período em que residi na Rua Duque de Caxias deu-me novas trilhas e marcou-me de forma considerável, dando-me lembranças das mais valiosas, pois representou o ritual de minha passagem para a via adulta, aumentando meus horizontes.
Já não foram apenas a Rua Duque de Caxias, a Praça 1817 e o Ponto de Cem Réis. Aditaram-se ao roteiro a Rua Visconde Pelotas, a Avenida General Osório e até as icônicas Ladeira da Borborema; a Ladeira de São Francisco e a Rua da Areia.
Festa das Neves bem próxima.
Carnaval e seu corso, que ainda existia, na porta de casa.
Mas, nem tudo são flores...
As cercanias das muitas veneráveis igrejas ali localizadas, a par do conforto espiritual que nos davam, também apresentavam, notadamente para os integrantes de minha geração residentes na área, algum dissabor, quando ”sempre às 6 horas da manhã” a alvorada festiva dos sinos daquela área urbana, lembrava a todos a obrigação de fé, a ser cumprida nas missas que lá se celebravam.
Nessa imobilidade a que a máquina curiosa me submetia, continuei a rememorar outros pequenos episódios da vida vivida na Rua Duque de Caxias e sua vizinhança, notadamente aquele instante em que as firmes badaladas de muitos sinos, onde infelizmente não estava a “...mensagem que o sino da igrejinha do Divino...”, mas o toque de despertar que não mais nos deixavam dormir, após essa hora, notadamente nas madrugadas às vezes chuvosas e frias dos domingos, quando nosso desejo era ficar um pouco mais na cama, após noitadas de sábado.
Acabado o exame, com a máquina curiosa silenciada, voltei à realidade dos dias presentes, não me restando outra situação que não lamentar a atual situação de abandono daquela área que me trouxe, e, decerto, a muitos outros daquela época, tantas recordações.